segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Cecília Furquim - transposição de Camões

Velho do Restelo na periferia
Criado por Cecília Furquim, a partir do Episódio do ‘Velho do Restelo’ de Camões (Os Lusíadas) para variante não culta, da periferia. Feito especialmente para o sarau e interpretado pelo ator Emerson Caperbat, com acompanhamento musical da banda ‘Tupinambá e seus Turebas’.



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Aí Fama! Fissura! Inútil mando

Dos mano que persegue a autoridade!

Aí parada torta, anseio insano

mascarada com a tal dignidade!

Que punição gigante e puro dano

Cê quer impor ao povo da cidade!

Que extermínio, que risco, que miséria,

sem dó cê vem e enterra na galera!



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Agonia na vida e chumbo na alma

Amiga da traição e do abandono

É uma boca que come e ainda baba

Devora o patrimônio, terra, trono

Cheia das pompa, ávida de palma

Na verdade, cê é digna de nojo

Te chamam fama, glória obcecada

Que ilude toda a gente alienada.



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Pra que cena sangrenta cê pretende

Levar os truta e as nação toda do mundo?

Que ameaça, que escuro, que parede

Vem junto com a medalha, lá na tumba?

Quanta ilusão de grana e quanta sede

De conquista, cê planta, tão profunda?

Que parada cê jura? Que proveito?

Que trunfo, que troféu? Que lôco feito?



98 -



E vocês aí também, filho do Adão

Que desobedeceu, comeu o fruto

E levou toda a raça, sem perdão,

A ser chutada do Éden, e com tudo

Além disso, perdendo a condição

de inocência manêra, jeito puro

Foi tirado daquela vida mansa

E atirado na guerra e na matança:



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Já que cê curte às pampa a arrogância

E com ela se entrega à fantasia;

Já que cê colocou na intolerância

nome, samba, suor e valentia;

já que cê valoriza a opulência

da morte, da extinção, revés da vida

que até Jesus na cruz, o salvador

com medo, deu à ela o seu valor.



100



Cê não segue com fé o dom de Deus,

Dele usando e abusando nas batalha?

Não fazem o mesmo, os mouro com suas lei,

Que os mano aí, com Cristo nas mortalha?

Cês já não se fartaram de ser rei,

E querem sempre mais dessas migalha?

Eles também não segue a onda bruta,

Pra conquistar a vitória nas disputa?


101

- Cês vão vazá da área, no perigo,
indo pros cafundó atrás de ouro,
deixando a terra aqui pro inimigo
E os mais fraco atolado em mal-agouro?
Prefere se lançá no alto risco
Prá sê celebridade, colhe os louro
De senhor do caminho em posse esférica
Da Ásia, Europa, África e América?

102

Eu vô rogá uma praga pro primeiro
Que criô o barco a vela e flutuou!
Navegar é preciso? Não! marinheiro
Se a lei é mesmo justa, seu doutor,
Nenhuma melodia, dom maneiro,
Nem a mais rica voz de cantador
Vai te dá Fama ou glória iluminada,
Que tua memória morra, vire nada!

103

Já ouviu falá dum mito, o Prometeu
Que trouxe pros irmão antigo o fogo?
O que devia sê luz, escureceu,
Nos cano o maior estrago, louco logro!
Se não tivesse dado o que ele deu
Pudíamo ficá longe desse jogo,
Os desejo alto, irado da partilha
prendeu em brasa a raça na guerrilha

104

Fez só besteira o filho do Deus sol
Que despencou no mar, foi pro além
E o filho do arquiteto se deu mal,
pois desobedeceu seu pai também:
nenhum impulso pulha ou celestial
por fogo, ferro ou água, o homem tem
poder de recusar, de dizer não.
Reles destino! Estranha condição.

* * *