segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Deborah Rebello















A pergunta de Diogo



Diogo chegou esbaforido
E pra mãe foi logo dizendo:
Mãe, alguma coisa
muito estranha tá acontencendo...

Sua mãe sem entender
Perguntou com um sorriso:
O que foi minha doçura?
De cabelos tão, tão lisos

E Diogo a olhá-la
Recém-chegado do atalho
Com os braços bem abertos
Parado como espantalho

Ô mãe! retomou o menino
Por que eu tenho pé descalço?
E todos os do seu Deodato
Andam de charrete ou
De sapato...

Ah... meu filho...
Essas coisa não se explica
Eu nunca aprendi..
Por que é que alguns têm sapato
Como os filhos do Seu Deodato...

Deve de sê que a terra dele
Tem mais tamanho e plantação
E a nossa...bem, a nossa
A cada dia, dá o pão...

Mas o menino muito esperto
Não se deu por satisfeito
Ficar sem resposta não ia
Nem que perguntasse ao prefeito...

Achegou-se de seu pai...
Assim, assim, sem querer muito
E baixinho perguntou..
A justiça é desse mundo?

E seu pai, sem muita pressa
Do chapéu se descobriu
Ô menino arretado...
Nem na hora da sesta!
Onde é que já se viu?

Diogo pediu logo desculpas
E foi saindo de mansinho
Pelas paredes escorregando
Achou a avó cantarolando...

Ô Vó! Como é que uma pessoa
É mais rica que a outra?
Uma trabalha no sol
E a outra só caçoa?

Ah meu neto, é assim...
Mas não pense que é sempre
Tem gente que do trabalho
De bicho virou gente...

E Diogo foi andando
até o galpão -oficina
Seu avô forjava ferro
E martelava bem as quinas...

Ô vô! Chamou Diogo
O qu’ é qu’ é melhor?
Ter sapato e carruagem
Ou dançá c’ o pé no pó?

Seu avô surpreendido..
Deu um sorriso amável..
Êta menino maroto!
Vai ser doutor recomendável...

Noutro dia de pé descalço
Foi à escola com uma meta
Precisava saber direito
Se a vida é linha reta...

A professora querida
Responder não sabia
Ficou tempo calada
E a boca semi-aberta

Mas Diogo não desiste...
E a todos sai perguntando
Por que os filhos do Sinhô Deodato
Têm charrete e têm sapato?

Encontrou na praça velha
No degrau da Santa Matriz
O seu Joca da viola
e com um ar de aprendiz:

Por qu’ é que gente rica
Que mora cá no sertão
Não divide a soma e a sobra
Cante aí no violão...

Canto sim...
num sei também...
e não pergunto a mais ninguém
Só tenho coragem de sobra
Pra tocar toda a minh’obra

Eu quero acreditá
Que a justiça tarda e vem
Que um dia todos comem
Os de a pé e os de trem...

Diogo viu o sorriso e
Entendeu a brincadeira...
Deu de ombro pro artista
E foi a Sinhá rendeira...

Sinhá, qu’é qu’ ocê me diz?
Há renda pra todo mundo
Da mais bela e enfeitadeira
De beleza enfeiticeira?

Pros que cabem o pagar
Faço renda de princesa
Pros que garram no pesado
Faço renda e fiado...

Diogo deus uns passos
Rumo ao mais desconhecido
Toda pergunta que cala
Vai pro mundo do esquecido...

Por que alguns têm tanto
E outros num têm nada?
E vivem com menos que pouco:
a resposta anda calada...

Diogo não sossega
enquanto procura a resposta
E sai perguntando ao mundo,
batendo de porta em porta

De onde vem a fartura
Que escolhe a quem ofertar?
Ou será que a fartura
É um bem a comungar?

Um dia Diogo espera
Que a resposta virá.
Ou virá ainda o dia
Que a pergunta cessará?

Menino esperto, danado.
Está sempre a estranhar
O que faz gente sofrer?
Não pára de perguntar...

E cada vez que a pergunta encara
O seu coração também dispara
Não é de raiva ou de medo.
É mais força e mais desejo

Um dia de chuvarada,
aquele cheiro de terra no ar
Saiu sem os seus sapatos
Pelo atalho a reparar...

Era tanto verde e brilho
as plantas estavam se abrindo
A natureza agradecia
A generosa chuva que caia

De repente Diogo correndo,
deu de cara com Seu Deodato
E mais que depressa falou:
O Sinhô tem quantos sapatos?

Seu Deodato não entendeu
De onde vinha aquela pergunta.
Bom dia, menino, falou o homem,
Do que é que se assunta?

Eu queria mesmo saber
Quantos sapatos tinha
O meu pai tem um par de chinelos
E uma meia pra quando esfria

Vai pra roça e pra missa
Com os mesmos chinelos dele
Mas minha mãe faz questão
Que ele troque de camisa

E o senhor? O senhor sabe
quantos sapatos tem?
Quais são os sapatos macios
E com qual à missa vem?

Seu Deodato pensou um pouco
Deve ser uns cinco ou seis
Mas sabia que não sabia
Resposta exata de uma vez.

Diogo, continuou,
Seu Deodato:
Por que alguns tem tanto
E outros quase nada?

Seu Deodato espantado,
não sabia responder.
Quis dar boa explicação
para o menino aprender

Olha filho, eu tenho muitas terras
Que herdei do avô e pai
E as terras me dão frutos
E assim dinheiro atrai

Com o dinheiro da venda,
sustento a minha família
Dou casa, comida e roupa
e na casa toda a mobília

E Diogo fitou-lhe sério
E pensou na própria família
Será que é questão de sorte
Ter sapatos e ter mobília?

Despediram-se menino e homem
Foi um em cada direção
O menino pensativo
e o homem em confusão

Se eu tenho tanto mais
Se eu herdei tudo dos pais
Seria justa a explicação?
Pra quem tem nada
E trabalha tanto
Qual será a solução?

Pensava o menino de um lado
E seu Deodato noutra ponta
O menino nos sapatos
E o homem na sua monta

Queriam ambos uma resposta
Para a exata desigualdade
Tanta gente com tão pouco
No planeta humanidade...

E quem terá a resposta?
Diogo quer logo saber
Tem pressa e vontade
Do assunto desaparecer

Ou na mágica das fadas
Ou na cabeça dos inteligentes
Diogo sabe que pode,
perguntar não ofende.








- Deborah Rebello é educadora e escritora. Escreve contos, poemas e histórias para crianças.




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