domingo, 13 de janeiro de 2008

A marcha da chuva






Música e letra de Cecilia Furquim













Após um tórrido sol,
que sem descanso ferveu
dias e dias nas férias
chega a chuva no céu
molhando o mar com a sua água
juntando doce e sal



Somem logo os banhistas
as crianças ficam tristes
passatempo não existe
em suas casas trancadas.
Nada de nadar no mar
nem de noite passear
.
.

Enquanto os outros lamentam
as plantas todas aplaudem
e agarram-se as cigarras
bem felizes a cantar

.
.
Viva, viva a chuva fria
Nós aqui gostamos dela
Viva a noite umedecida
Viva a chuva, como é bela
.
.
.
O som gostoso das gotas
sobre as costas das coisas
é saudado pelo grilo
e o reflexo do brilho
do piscar dos vagalumes
lembra fogos de artifício



Vai e vem toda brejeira
a fusão de céu e terra
e o toque-toque lá no brejo
de sapo martelo
ecoa nesta algazarra
de vida dentro da mata



Besouro voa com abelha
gafanhoto com barata
borrachudo e borboleta
numa bêbada alegria



Viva, viva a chuva fria
Nós aqui gostamos dela
Viva a noite umedecida
Viva a chuva, como é bela!



Até a Maria fedida
ganha beijo da aranha
e lá vêm as lagartixas
vêm brincando de ciranda
com as donas muriçocas
girando ao redor das poças



Essa farra infinita
com efeito assim embala
a soneca das crianças
em suas camas aninhadas



Viva, viva a chuva fria
Nós aqui gostamos dela
Viva a noite umedecida
Viva a chuva, como é bela!





FIM
.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Registros praieiros











OS TRÊS COQUEIROS

Hoje eu soube da estória dos três coqueiros daqui da nossa casa da praia. Um sou eu, os outros dois: meus irmãos. Apesar disso, nunca fomos nomeados neles, pois se um coqueiro acaso morresse, não seria um vaticínio para nós. Suas mudas não foram recomendadas ou certificadas. Recolhidos, pois, na estrada, sem pedigree, foram trazidos e plantados pelas mãos da mamãe e cresceram apesar das doenças.

O do meio, possivelmente eu, é mais baixinho. Segundo a Dora, o mais lindo, segundo a dona (Marisa) só esta assim abundante, por não ter sido podado recentemente. Seus côcos não são lá uma gostosura, mas dá pra tomar a água. Já tiveram morcegos ali habitando, e muitas e muitas lagartas.

Se sua água e assim assim, se não são imperiais, compensa o serem imponentes e perseverantes, assim como nós. Marcaram a casa que os toma como a casa dos três coqueiros.


Cecília Furquim. São Sebastião, 31 de dezembro de 2007.


















frutos de cajueiro anão precoce

imagem retirada de:
http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio06/caju07.jpg


O CAJUEIRO ANÃO E SUA DONA

Eu sou o cajueiro anão que a Dona Marisa ganhou de um amigo da sua prima Rita, lá de Bebedouro. Ele é funcionário da ‘estação experimental da cidade’, um espaço onde se faz experiências agrícolas na criação de diferentes mudas. Desculpem-me o orgulho, caros coqueiros: a minha muda sim, tem pedigree. Dona Isa resolveu que minha terra seria em São Sebastião, em sua simpática casa térrea de veraneio, em atenção ao nosso gosto profundo por lugares quentes e litorâneos. Aqui, na “Praia das Cigarras”, cheguei em 2006. Dona Isa veio da cidade só pra me trazer e com toda a deferência fui entregue aos cuidados da Tatiana, caiçara cuidadora oficial da casa. Fui plantado pelo seu irmão Jaiminho entre as duas casas, a edícula e a nova, e desde então sempre que Tatiana vinha ao meu lar, a primeira coisa que fazia era deitar seu olhar sobre meus 40 cms de folhas e minha primeira flor, indício de que logo viria o primeiro fruto. Sua degustação já estava sendo antecipada nas movimentações salivares da imaginação da Dona Isa. Nos telefonemas à patroa, já começava dando noticias minhas, antes de passar aos outros detalhes de sua conversação. Pouco mais ou menos de um mês, uma voz desesperada:

- Alô! Você não sabe o que aconteceu! O cajueiro sumiu.

Dona Isa na sua investigação interna tem como certeiro o nome do criminoso: Seu Valdemar, um caseiro de uma das casas da praia que faz bicos como pedreiro. Tinha sido o único a me vislumbrar. Eu não me lembro dele não, mas a Isa tem certeza de que ele deve ter me admirado quando entrou aqui para fazer o acabamento do muro do vizinho de trás. Admirou com uma cobiça de Nordestino que conhece e valoriza frutos como os meus. Deve ter aguardado uma noite fora de temporada, na calmaria e tédio do meio da semana costeira, e pulado o muro para me levar daqui.

Eu não posso confirmar nada, pois nós os cajueiros anões só temos o poder de adivinhar os pensamentos e sentir e interpretar o que nos rodeia, quando somos oferecidos de bom grado por nosso criador. Desde que fui roubado, passei a ser de fato, o que a maioria de vocês humanos diz: apenas uma planta, que nasce, cresce, vive, morre, sem consciência, sem julgamentos, moral, metafísica, linguagem ou coisa do tipo. Toda a minha alma agora, se restringe ao passado que me tomou antes daquele fatídico roubo. Mas continuo adivinhando os pensamentos de minha antiga e legítima dona, a apaixonada Dona Isa. Ela está bastante ocupada recebendo o filho mais velho, nora e netos em seu apartamento de São Paulo, até que eles consigam formalizar a compra de nova casa própria. Também bastante ocupada ficando com a netinha da filha do meio, volta e meia. E dando atenção também ao ramo do mais novo. Continua passando as férias nas Cigarras, lá tem muita coisa pra cuidar. Isso sem falar nos tricôs que faz, costuras, livros que devora, filmes que assiste e novelas que acompanha. Mesmo assim a Dona Isa acha tempo para lembrar de mim e ficar vermelha de raiva deste Valdemar. Entre um e outro palavrão, daqueles impronunciáveis na boca de uma distinta senhora como ela, arquitetou o seguinte plano:

- Eu ainda vou encontrar um meio de dizer a ele que sei o que fez. Um dia vou encontrá-lo e muito respeitosamente cumprimentá-lo e à sua esposa. Como vai Valdemar, como vai fulana. E como vai o meu cajueiro anão, ele vai bem?

Essa sua única possibilidade de vingança. E eu vou adivinhar sua satisfação e ficarei também satisfeito. Enquanto meu corpo segue sua sina, sem que eu saiba como, quando e onde; minha alma vai acompanhando Dona Isa, atado que estou às suas alegrias e sobressaltos.


Cecília Furquim. São Sebastião, 01 de janeiro de 2008.







A BORBOLETA BAILARINA


A menina Gabi é uma borboleta bailarina. Hoje!

Ela também costuma ser um cãozinho, um gatinho, uma girafa, uma sereia, uma sereia princesa ou apenas uma princesa. Na maioria das vezes é a Cinderela. É a mãe, a professora Raquel ou Mariana, a assistente da professora. Normalmente a mãe.

Chamada pelo papai de ‘pin pin’, ‘tampinha’, ‘gorduchinha’.
Pela mamãe de ‘filha’, ‘gabibi’, ‘gabirosca’.
Seu pé é um pãozinho, que mamãe sempre ameaça comer, e a bundinha uma carne gostosa que deve ser comida também.

- Posso? diz a mamãe.

Ela ri e fala:

- Não, comer não, só carinho!

Mamãe faz carinho, dizendo,

- Eu queria muito comer. Deixa?
- Não!
- Ah, então eu vou apertar!

Aperta e ela ri muito, fugindo, querendo ser caçada.
Fala bastante “eu te amo”, ameaça dar um beijo “nim você”, e dá.

Quando quer gozar os outros, mania do papai, chega e fala:

- Chocolate na cueca!

Ou então:
- Cuequinha!

Essa provocação ela pegou de mim.
Do desenho “backyardigans” ficou com o costume de receber os outros com susto:

-Buuuuuuuu!

Já gostou muito da fantasia de Branca de Neve, Aurora e Cinderela. Neste Natal ficou encantada com os presentes do papai Noel, entre eles a roupa de bailarina e outra da Hello Kit na sua cor rosa, a favorita. Ela pediu que sua próxima fantasia seja uma cauda verde da Ariel. Agora aprecia mais a da bailarina e da borboleta juntas.

Todo mundo gosta dessa borboleta bailarina, mas ela nem sempre gosta de todo mundo. Implicou com a Berê, que não quis emprestar seus brinquedos, e vingou-se negando-se a emprestar os dela também. Mas agora já mudou de idéia.
No geral está sempre de bem com todos e com a vida.

Como diz a Vovó: é um presente de Deus!



Cecília Furquim. São Sebastião, 01 de janeiro de 2008.