quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Crabbed Age and Youth






Age may have one side, but assuredly Youth has the other. There is nothing more certain than that both are right, except perhaps that both are wrong. Let them agree to differ; for who knows but what agreeing to differ may not be a form of agreement rather than a form of difference?
                                     Robert Louis Stevenson

CRABBED AGE AND YOUTH

Apresentação
O poema “Crabbed Age and Youth” é o X da obra The Passionate Pilgrim, uma coletânea de vinte poemas atribuídos a William Shakespeare (1564-1616) e publicada em 1599. No entanto, estudiosos reconhecem o estilo do autor apenas em cinco dos vinte poemas, e “Crabbed Age” gerou suspeitas de ter sido composto por Thomas Deloney (1543-1600), um autor de romances e baladas.
O poema traz o contraste entre a ‘rabugenta velhice’ e a ‘juventude’ numa divertida ocorrência de imagens e adjetivos. A parte final do poema também aparece no refrão de uma balada da época. Não sabemos qual obra inspirou ou foi inspirada. De qualquer forma, o contexto da canção nos ajuda a entender o significado do último verso. Na chamada Daphne’s Complaint, a amante na floresta canta o refrão em doze estrofes, lamentando a demora do amado e enternecendo até os animais selvagens, ursos, lobos e leões, até que finalmente ele retorna:
Mournfully she sung this song
‘Oh my love, O my love, O my love
thou stay’st too long.[1] 

Análise Formal
No poema de uma estrofe e vinte versos, visualizo duas partes com rimas ABCB, e duas partes AABCCB. Possui redondilhas menores, que nas duas últimas partes intercalam com redondilhas maiores nos versos 11, 14, 17 e 20.  Os versos de cinco sílabas tem acento sempre na 1ª, 3ª e na 5ª. Os de sete sílabas tem acento na 1ª, 3ª, 5ª e 7ª, sendo portanto pés troqueus. Além das rimas, notamos assonâncias de /é/, /u/ e /ó/ e aliterações em /b/, /k/ e /m/.

Tradução
A primeira tentativa de tradução lidou com as palavras ‘Velhice’ e ‘Juventude’. Essa escolha nem sempre conseguiu manter o ritmo de tônicas, pois cada vez que iniciava-se o verso com a palavra ‘Juventude’, tínhamos anapesto ao invés do troqueu. Cada vez que iniciava-se o verso com ‘Velhice’ tínhamos um jambo ao invés do troqueu. Isso mudava o ritmo. Também, essas palavras faziam com que o 1º verso não coubesse na redondilha menor.
Uma possibilidade seria aumentar o número de sílabas do poema como um todo, mas isso sacrificaria o ritmo ágil que percebemos no original.
Preferi fazer uma segunda tentativa mantendo o ritmo original trazendo a palavra ‘Viço’ no lugar de ‘Juventude’. Essa tentativa lida com uma palavra de aceitação menos imediata do que juventude, mas ganha com o ritmo quase sempre perfeito (com exceção de ‘A Velhice’ que continua sendo anapesto).
Ganha-se também com um número grande de aliterações em /s/, além de /v/ e assonância em /i/. Também procurei manter as rimas perfeitas, como no original.



Cecilia Furquim, julho de 2013

POEMA ORIGINAL

 

Crabbed Age and Youth    


Crabbed Age and Youth                          
Cannot live together:              
Youth is full of pleasance,     
Age is full of care;                                      
Youth like summer morn,       
Age like winter weather;
Youth like summer brave,
 Age like winter bare.                                
Youth is full of sport,
Age’s breath is short;
Youth is nimble, Age is lame;                
Youth is hot and bold,
Age is weak, and cold;
Youth is wild, and Age is tame.               
Age, I do abhor thee, 
Youth, I do adore thee;
O, my Love, my Love is young!               
Age, I do defy thee:
O, sweet shepherd, hie thee!
For methinks thou stay’st too long. 

                          
from “The Passionate Pilgrin” in The Globe Illustrated Shakespeare. The complete works annotated. Editado por Howard Staunton. Nova York: Gramercy Books, 1979, p2317.
TRADUÇÃO POÉTICA


A Velhice e o Viço


A velhice e o viço                
Vivem choque eterno:                                        Ele é um deleite,                   
 Ela é um enfermo
 Viço é qual verão,                       
A velhice, inverno;                  
 Nele o estio é pleno,              
 Nela o frio é ermo.
 Ele é puro esporte,                 
 Ela não tem porte;                   
 Ele é inteiro, ela é aleijada;    
Ele é quente e ágil,
Ela é fria e frágil;
Ele é arisco, ela é domada.     
À velhice eu choro,                  
E ao viço adoro;                      
Ah! o amor, o meu aflora!         
Sai velhice, cessa:                     
Ah! pastor, te apressa!                     
 Pois é longa a tua demora.


Tradução:
Cecilia Furquim    





'Crabbed Age and Youth'. Music by Madeleine Dring, words by Shakespeare. Amarantha, a soprano aged 16 years, sings on stage at a small local concert in Beaconsfield, England, UK July 2009. Accompanist E. T-W.  




[1] In Engllish Broadside Ballad Archive. University of California / Santa Barbara: http://ebba.english.ucsb.edu/ballad/21130/image

How Pleasant to Know Mr. Lear!

HOW PLEASANT TO KNOW MR. LEAR!

O poema escolhido para tradução é de Edward Lear, um poeta, desenhista e pintor inglês que viveu de 1812 a 1888. Ele começou a escrever, ilustrar e musicar versos para crianças para divertir filhos de amigos. Acabou publicando seus trabalhos e tornando-se muito famoso pelo estilo inovador e pela capacidade de multiplicar os admiradores de sua obra dentro do continente Europeu e além mar. Foi ele quem cunhou o termo ‘nonsense’ ao nomear seus livros com esse adjetivo e é referência na produção e inspiração desse gênero cômico que trabalha com associações curiosas e com grande musicalidade sonora e jogos de palavras.
Lear gostava de usar hipérboles na construção de seus limeriques. São cabeças pequenas como botões, cabelos que encaracolam pelo mar afora e muitas outras imagens do tipo, notando-se uma predileção pela descrição de narizes tão avantajados que, ou servem de repouso para a maioria dos pássaros nos arredores, ou de apoio para luminárias, ou ainda narizes cuja ponta se perde da vista de seu possuidor. Em alguns desenhos autobiográficos que fez, bem como neste poema autobiográfico, Lear também aplica o seu olhar para tudo o que nele foge do equilíbrio e da proporção, ridicularizando a sua silhueta e o próprio nariz. O poema foi enviado a uma amiga em resposta à citação que ela havia feito de uma desconhecida do autor que usou a expressão: “How pleasant to know Mr. Lear!”. Torna a frase seu refrão. Foi escrito por volta de 1870, mas só é publicado postumamente em 1894. Também notamos no poema uma pontada de melancolia, que era sua marca em várias dos poemas narrativos que musicou.
É muito comum ver os divulgadores da obra de Lear usarem essa obra autobiográfica para apresentá-lo. Como pretendo lançar um livro com várias traduções de canções de Lear, farei também eu a introdução com esse poema.

ANÁLISE FORMAL
Do ponto de vista formal, ele tem oito estrofes de quatro versos cada, sendo que todos tem um ritmo ternário. A maioria dos versos tem um jambo e dois anapestos, mas há outros de ritmo diferente, como: três anapestos; dois jambos e um anapesto; anapesto, jambo, anapesto; um troqueu e dois anapestos. No sistema métrico isso implica numa variação de 7 a 9 sílabas, sendo que a maioria dos versos tem 8 sílabas. Os 16 pares de rimas são todos com rimas perfeitas.

TRADUÇÃO
Optei por uma tradução que priorizasse o ritmo ternário, através de uma combinação igual ou aproximada dos acentos, sendo que, dos 32 versos, treze contém 3 anapestos e onze versos contém um jambo e dois anapestos. Também fiz um esforço de manter as rimas perfeitas na tradução.  
Lear gostava de repetir um adjetivo que inventou e que não tinha significado nenhum: runcible. Aparece junto com colher (runcible spoon), gato (runcible cat) e muro (runcible wall), em poemas diversos. Nesta autobiografia ele novamente traz o adjetivo para qualificar o seu chapéu. Na tradução sibato procurei manter a palavra com três sílabas, e aproveitei a terminação –ato para rimar com ‘gato’.

                                                                                                                      Cecilia Furquim, Maio de 2014






HOW PLEASANT TO KNOW MR. LEAR!    
de Edward Lear

"How pleasant to know Mr.Lear!"
 Who has written such volumes of stuff!
 Some think him ill-tempered and queer,
 But a few think him pleasant enough.


His mind is concrete and fastidious,
His nose is remarkably big;
His visage is more or less hideous,
His beard it resembles a wig.


He has ears, and two eyes, and ten fingers,

Leastways if you reckon two thumbs;
Long ago he was one of the singers,
But now he is one of the dumbs.


He sits in a beautiful parlour,

With hundreds of books on the wall;
He drinks a great deal of Marsala,
But never gets tipsy at all.


He has many friends, lay men and clerical,

Old Foss is the name of his cat;
His body is perfectly spherical,

He weareth a runcible hat.

When he walks in waterproof white,

The children run after him so!
Calling out, "He's gone out in his night-
Gown, that crazy old Englishman, oh!" 


He weeps by the side of the ocean,
He weeps on the top of the hill;
He purchases pancakes and lotion,
And chocolate shrimps from the mill.


He reads, but he cannot speak, Spanish,

He cannot abide ginger beer:
Ere the days of his pilgrimage vanish,
How pleasant to know Mr. Lear!


from Nonsense Songs and Stories. Londres: Chancelor Press, 1984 (fac-símile).

SEU LEAR, QUE PRAZER CONHECÊ-LO!
Tradução: Cecilia Furquim

“Seu Lear, que prazer conhecê-lo!”  
Um autor que escreveu esse tanto!
Para uns, esquisito modelo, 
Há porém quem o ache um encanto.

Sua mente é concreta e zelosa
Seu imenso nariz te cutuca
Sua estampa é um tanto horrorosa,
Sua barba parece peruca.

Tem orelhas, dois olhos, dez dedos,
Se aos dois polegares aludo;
Ha tempos cantava sem medo,
Agora porém ficou mudo. 

Possui belíssima sala,
Centenas de livros lá conto;
Degusta bastante Marsala,
Mas nunca, jamais fica tonto.

Tem amigos, laicos e clérigos,
Velho Foss é o nome do gato 
Tem o corpo contornos esféricos,
E ele veste um chapéu sibato.

Se com capa de chuva ele sai,           
as crianças caem no riso:
“Camisola na rua, ai, ai, ai!          
É o velho inglês sem juízo!”

Ele chora se está à beira mar, 
Ele chora se está na montanha;
Chocolate, panquecas sem par,
Ele compra e nunca se acanha. 

Espanhol, ele lê, mas não fala,
Não suporta cerveja sem gelo;
Enquanto ele aqui não se cala,
Seu Lear, que prazer conhecê-lo!