sábado, 25 de outubro de 2008

A dona do time

Conto de
Cecilia Furquim

Imagens da Internet


Essa mulher era uma dona, que se gabava de ser uma dona durona, uma dona que ia durar, fosse qual fosse a dor. Seu nome: Donina.

Ela tinha um time bem bom, um time de boleiros. Boleiro, você sabe, é aquele que joga um bolão. Ela achava que eles eram batutas só porque treinavam no campo dela, não percebia que eles podiam ser bons em outro campo também.

O time não ganhava todas as partidas, mas ganhava muitas. E aí vinha o prêmio: um montão de chocolates, e balas e biscoitos gostosos.


















Mas Donina não repartia irmãmente, repartia donamente. Seis para ela e cinco para todos os outros dez. E ai de quem reclamasse!

Quando um boleiro estava cansado e queria um pouco mais de doce para repor as energias, ou então, queria um time que fosse menos donável, esse boleiro resolvia mudar de time. Ia falar com Donina, explicar, dar tchau, devolver aquela camisa.

Ai, ai, ai. Um raio caía bem no meio da quadra.
- Traição! Traição!

Donina jogava praga praquele jogador até a quinta geração. Brigava com o outro time que chamou ele, fazia um estardalhaço.






Quando era Donina que queria expulsar alguém do time, não podia achar ruim.

_ O time não está ganhando por sua causa, dizia. Só você é que não percebe. Você nunca vai ser boleiro, desista!

O jogador respondia:

_ Mas já joguei um montão de partidas e só perdi poucas, não pode ser isso. Talvez seja a estratégia, ou pode ser que eu esteja numa fase ruim, acontece com todo mundo. Já aconteceu até com o Ronaldinho.

Donina falava:
_ Não, não. Eu tenho olho pra isso. Eu sei que você é que não sabe jogar. Tome meu conselho, que ele é de amiga, para o seu bem. Faça algo que não precisa de bola






E aquele que “não era mais boleiro, nem nunca tinha sido” saía chateado, arrasado.

Mas, aos pouquinhos, acabava encontrando espaço noutro time e percebia que aquilo não era verdade. Percebia que, fora, até jogava melhor, andava melhor, corria melhor, chutava melhor, que é o que acontece quando se é mais feliz.























Acontece que Donina se achava tão durável, que muita gente acreditava nela, porque as gentes acreditam muito na donice e na duronice.

E o tempo foi passando e um número grande de ‘traidores’ e ‘traidoras’ já tinham saído do time, e um número grande de gente que ‘nunca foi nem vai ser boleiro’ já tinha sido expulso. Era tanta gente saindo, tanta gente entrando, que alguns daqueles que acreditavam na donice durona começaram a desconfiar dela.

Isso foi bem na época do grande campeonato, um campeonato pra dono nenhum botar defeito, com prêmios dulcíssimos.

Donina, com seu time cheio de gente nova, entrou no campo. Ela era a capitã! Olhou para o outro lado e viu um time cheinho de velhos traidores. O traidor Juca, a traidora Juliana, o traíra João e a traidora-mor Janaína. Junto deles, os incompetentes José Carlos, a Jade e outros velhos descartados.

Donina pensou:

_ Ainda bem que os traidores estão tão mal acompanhados, assim não vão ganhar.














Mas ganharam!

Donina saiu gritando:
_ Juiz ladrão!


















E mandou, no dia seguinte, todos os seus jogadores novos embora, dizendo que a culpa também tinha sido deles.

Saíram todos e entrou um time inteiro de gente mais nova ainda.

Será que um dia a donice durona da Donina vai mudar?
Não sei! Só sei que enquanto ela não mudar, o time dela é que vai ficar mudando, sem parar.







FIM!

domingo, 1 de junho de 2008

O garotinho negro



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The Little Black Boy


My mother bore me in the southern wild,
And I am black, but O! my soul is white;
White as an angel is the English child:
But I am black as if bereav'd of light.

My mother taught me underneath a tree
And sitting down before the heat of day,
She took me on her lap and kissed me,
And pointing to the east began to say.

Look on the rising sun: there God does live
And gives his light, and gives his heat away.
And flowers and trees and beasts and men receive
Comfort in morning joy in the noon day.

And we are put on earth a little space,
That we may learn to bear the beams of love,
And these black bodies and this sun-burnt face
Is but a cloud, and like a shady grove.

For when our souls have learn'd the heat to bear
The cloud will vanish we shall hear his voice.
Saying: come out from the grove my love & care,
And round my golden tent like lambs rejoice.

Thus did my mother say and kissed me,
And thus I say to little English boy;
When I from black and he from white cloud free,
And round the tent of God like lambs we joy:

I'll shade him from the heat till he can bear,
To lean in joy upon our fathers knee.
And then I'll stand and stroke his silver hair,
And be like him and he will then love me.

William Blake

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O garotinho negro

Minha mãe me teve em terra selvagem,
Sou negro, porém minha alma é alva;
A criança ao norte tem branca imagem
Sendo negro, me falta a luz que salva.

Aprendi com mamãe sob uma árvore
Ela sentada, antes do amanhecer,
Comigo ao colo, a beijar minha face
E a olhar o leste, começou a dizer:

“Onde o sol nasce, é ali que Deus mora
E espalha luz e irradia o calor.
A flor,a planta, o bicho e o homem sorvem
O alento da manhã e a intensa cor.

E envoltos somos em pequeno ninho,
Onde cultivar centelhas de laços,
E esta face queimada e o corpo tinto
É só uma sombra que paira no espaço.

Pois quando o espírito suporta os raios
A sombra some, e ouvimos a voz
Dizendo: o corpo da treva, tirai
E deixai meu ouro pousar em vós.

Assim mamãe falou em tom suave,
E assim repito ao garoto do norte;
Quando, livres da preta ou branca nuvem,
Entregarmos a Deus a nossa sorte:

Até que ele possa agüentar o fogo,
E curvar-se diante de nosso pai,
Nele farei sombra. Então, num afago
Serei amado, seremos iguais.

tradução: Cecilia Furquim


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domingo, 4 de maio de 2008

A mosca

























The Fly


Little Fly
Thy summers play,
My thoughtless hand
Has brush'd away.

Am not I
A fly like thee?
Or art not thou
A man like me?

For I dance
And drink & sing:
Till some blind hand
Shall brush my wing.

If thought is life
And strength & breath:
And the want
Of thought is death;

Then am I
A happy fly,
If I live,
Or if I die.


William Blake





A mosca


Pequena mosca
seu vôo-verão
minha mão tola
levou ao chão.

Não sou eu
bicho que voa?
e não é você
como eu, pessoa?

Meu ser dança
E canta e casa
Até que mão cega
Decepe minha asa

Se o pensar
É vida, sorte
E sua falta
é ôca morte

Então sou
mosca em júbilo
Tanto vivo
Como no túmulo



Cecilia Furquim











A rosa enferma

William Blake (1757-1827)






























The Sick Rose



O Rose, thou art sick!
The invisible worm
That flies in the night,
In the howling storm,

Has found out thy bed
Of crimson joy:
And his dark secret love
Does thy life destroy








A rosa enferma


Rosa, estás enferma
O verme, não vemos,
Mas voa na sombra
No uivo dos ventos

Percorrendo a cama
De gozo carmim
Teu amor oculto
Te arrasta pro fim.



Cecilia Furquim







Nós

Do nó da carne
Não se move
O nó da carne
Não se comove

Se ata
Se não ata
é dor inata

A sós
ou só
A gente sofre



Cecilia Furquim - maio de 2008

Dora Amora


Letra e música: Cecilia Furquim




Comendo amora
Lembrei da Dora
Que dó! Faz tempo
que ela não vem




É hora Dora
O pé de amora
Se vê lá fora
É só provar



Os seus dois pés
Vem já botar
Aos pés do pé
Onde o amor mora
moradoramoradoramoradora



É lá que jorra
Que o verde cora
E logo molha
O céu da boca



Agora, Dora
Não perde o ponto
A fruta aflora
E se oferece



Amor à vista
É só pegar
Menina vem cá
dourar o amor
douramoradoramoradoramora








FIM

domingo, 13 de janeiro de 2008

A marcha da chuva






Música e letra de Cecilia Furquim













Após um tórrido sol,
que sem descanso ferveu
dias e dias nas férias
chega a chuva no céu
molhando o mar com a sua água
juntando doce e sal



Somem logo os banhistas
as crianças ficam tristes
passatempo não existe
em suas casas trancadas.
Nada de nadar no mar
nem de noite passear
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Enquanto os outros lamentam
as plantas todas aplaudem
e agarram-se as cigarras
bem felizes a cantar

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Viva, viva a chuva fria
Nós aqui gostamos dela
Viva a noite umedecida
Viva a chuva, como é bela
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O som gostoso das gotas
sobre as costas das coisas
é saudado pelo grilo
e o reflexo do brilho
do piscar dos vagalumes
lembra fogos de artifício



Vai e vem toda brejeira
a fusão de céu e terra
e o toque-toque lá no brejo
de sapo martelo
ecoa nesta algazarra
de vida dentro da mata



Besouro voa com abelha
gafanhoto com barata
borrachudo e borboleta
numa bêbada alegria



Viva, viva a chuva fria
Nós aqui gostamos dela
Viva a noite umedecida
Viva a chuva, como é bela!



Até a Maria fedida
ganha beijo da aranha
e lá vêm as lagartixas
vêm brincando de ciranda
com as donas muriçocas
girando ao redor das poças



Essa farra infinita
com efeito assim embala
a soneca das crianças
em suas camas aninhadas



Viva, viva a chuva fria
Nós aqui gostamos dela
Viva a noite umedecida
Viva a chuva, como é bela!





FIM
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quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Registros praieiros











OS TRÊS COQUEIROS

Hoje eu soube da estória dos três coqueiros daqui da nossa casa da praia. Um sou eu, os outros dois: meus irmãos. Apesar disso, nunca fomos nomeados neles, pois se um coqueiro acaso morresse, não seria um vaticínio para nós. Suas mudas não foram recomendadas ou certificadas. Recolhidos, pois, na estrada, sem pedigree, foram trazidos e plantados pelas mãos da mamãe e cresceram apesar das doenças.

O do meio, possivelmente eu, é mais baixinho. Segundo a Dora, o mais lindo, segundo a dona (Marisa) só esta assim abundante, por não ter sido podado recentemente. Seus côcos não são lá uma gostosura, mas dá pra tomar a água. Já tiveram morcegos ali habitando, e muitas e muitas lagartas.

Se sua água e assim assim, se não são imperiais, compensa o serem imponentes e perseverantes, assim como nós. Marcaram a casa que os toma como a casa dos três coqueiros.


Cecília Furquim. São Sebastião, 31 de dezembro de 2007.


















frutos de cajueiro anão precoce

imagem retirada de:
http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio06/caju07.jpg


O CAJUEIRO ANÃO E SUA DONA

Eu sou o cajueiro anão que a Dona Marisa ganhou de um amigo da sua prima Rita, lá de Bebedouro. Ele é funcionário da ‘estação experimental da cidade’, um espaço onde se faz experiências agrícolas na criação de diferentes mudas. Desculpem-me o orgulho, caros coqueiros: a minha muda sim, tem pedigree. Dona Isa resolveu que minha terra seria em São Sebastião, em sua simpática casa térrea de veraneio, em atenção ao nosso gosto profundo por lugares quentes e litorâneos. Aqui, na “Praia das Cigarras”, cheguei em 2006. Dona Isa veio da cidade só pra me trazer e com toda a deferência fui entregue aos cuidados da Tatiana, caiçara cuidadora oficial da casa. Fui plantado pelo seu irmão Jaiminho entre as duas casas, a edícula e a nova, e desde então sempre que Tatiana vinha ao meu lar, a primeira coisa que fazia era deitar seu olhar sobre meus 40 cms de folhas e minha primeira flor, indício de que logo viria o primeiro fruto. Sua degustação já estava sendo antecipada nas movimentações salivares da imaginação da Dona Isa. Nos telefonemas à patroa, já começava dando noticias minhas, antes de passar aos outros detalhes de sua conversação. Pouco mais ou menos de um mês, uma voz desesperada:

- Alô! Você não sabe o que aconteceu! O cajueiro sumiu.

Dona Isa na sua investigação interna tem como certeiro o nome do criminoso: Seu Valdemar, um caseiro de uma das casas da praia que faz bicos como pedreiro. Tinha sido o único a me vislumbrar. Eu não me lembro dele não, mas a Isa tem certeza de que ele deve ter me admirado quando entrou aqui para fazer o acabamento do muro do vizinho de trás. Admirou com uma cobiça de Nordestino que conhece e valoriza frutos como os meus. Deve ter aguardado uma noite fora de temporada, na calmaria e tédio do meio da semana costeira, e pulado o muro para me levar daqui.

Eu não posso confirmar nada, pois nós os cajueiros anões só temos o poder de adivinhar os pensamentos e sentir e interpretar o que nos rodeia, quando somos oferecidos de bom grado por nosso criador. Desde que fui roubado, passei a ser de fato, o que a maioria de vocês humanos diz: apenas uma planta, que nasce, cresce, vive, morre, sem consciência, sem julgamentos, moral, metafísica, linguagem ou coisa do tipo. Toda a minha alma agora, se restringe ao passado que me tomou antes daquele fatídico roubo. Mas continuo adivinhando os pensamentos de minha antiga e legítima dona, a apaixonada Dona Isa. Ela está bastante ocupada recebendo o filho mais velho, nora e netos em seu apartamento de São Paulo, até que eles consigam formalizar a compra de nova casa própria. Também bastante ocupada ficando com a netinha da filha do meio, volta e meia. E dando atenção também ao ramo do mais novo. Continua passando as férias nas Cigarras, lá tem muita coisa pra cuidar. Isso sem falar nos tricôs que faz, costuras, livros que devora, filmes que assiste e novelas que acompanha. Mesmo assim a Dona Isa acha tempo para lembrar de mim e ficar vermelha de raiva deste Valdemar. Entre um e outro palavrão, daqueles impronunciáveis na boca de uma distinta senhora como ela, arquitetou o seguinte plano:

- Eu ainda vou encontrar um meio de dizer a ele que sei o que fez. Um dia vou encontrá-lo e muito respeitosamente cumprimentá-lo e à sua esposa. Como vai Valdemar, como vai fulana. E como vai o meu cajueiro anão, ele vai bem?

Essa sua única possibilidade de vingança. E eu vou adivinhar sua satisfação e ficarei também satisfeito. Enquanto meu corpo segue sua sina, sem que eu saiba como, quando e onde; minha alma vai acompanhando Dona Isa, atado que estou às suas alegrias e sobressaltos.


Cecília Furquim. São Sebastião, 01 de janeiro de 2008.







A BORBOLETA BAILARINA


A menina Gabi é uma borboleta bailarina. Hoje!

Ela também costuma ser um cãozinho, um gatinho, uma girafa, uma sereia, uma sereia princesa ou apenas uma princesa. Na maioria das vezes é a Cinderela. É a mãe, a professora Raquel ou Mariana, a assistente da professora. Normalmente a mãe.

Chamada pelo papai de ‘pin pin’, ‘tampinha’, ‘gorduchinha’.
Pela mamãe de ‘filha’, ‘gabibi’, ‘gabirosca’.
Seu pé é um pãozinho, que mamãe sempre ameaça comer, e a bundinha uma carne gostosa que deve ser comida também.

- Posso? diz a mamãe.

Ela ri e fala:

- Não, comer não, só carinho!

Mamãe faz carinho, dizendo,

- Eu queria muito comer. Deixa?
- Não!
- Ah, então eu vou apertar!

Aperta e ela ri muito, fugindo, querendo ser caçada.
Fala bastante “eu te amo”, ameaça dar um beijo “nim você”, e dá.

Quando quer gozar os outros, mania do papai, chega e fala:

- Chocolate na cueca!

Ou então:
- Cuequinha!

Essa provocação ela pegou de mim.
Do desenho “backyardigans” ficou com o costume de receber os outros com susto:

-Buuuuuuuu!

Já gostou muito da fantasia de Branca de Neve, Aurora e Cinderela. Neste Natal ficou encantada com os presentes do papai Noel, entre eles a roupa de bailarina e outra da Hello Kit na sua cor rosa, a favorita. Ela pediu que sua próxima fantasia seja uma cauda verde da Ariel. Agora aprecia mais a da bailarina e da borboleta juntas.

Todo mundo gosta dessa borboleta bailarina, mas ela nem sempre gosta de todo mundo. Implicou com a Berê, que não quis emprestar seus brinquedos, e vingou-se negando-se a emprestar os dela também. Mas agora já mudou de idéia.
No geral está sempre de bem com todos e com a vida.

Como diz a Vovó: é um presente de Deus!



Cecília Furquim. São Sebastião, 01 de janeiro de 2008.