Direito de Decidir
- TRECHO DA LETRA DA MÚSICA
(GRUPO MINAS DA RIMA - TIELY QUEEN)
"Decisão, opinião, liberdade de expressão!
Aos poucos vem surgindo reação contra ação.
Milhares de mulheres padecem em suas preces
destruídas pela dúvida,
Luta que luta que luta!!!
Crime e castigo, no cordão do seu umbigo.
Não querer é um direito, ombro amigo é preciso.
Independente do Estado: Político ou de Espírito.
Dados alarmantes tudo é impactante.
Homens tem a missão de caminhar lado a lado,
Mas de um milhão não é o bastante? Não!!!!!
Sem discussão, sem interação,
como diz minha amiga Rúbia: - Estou sem forças meu irmão.
Artigos, inclusão? Adequação, inclusão.
É o que mais tem pras jovens, pobres, pretas, periféricas sem ação.
Pra todas as mulheres, homens, crianças e tal.
O Direito de Decidir sobre o seu corpo é Real.
- Tiely Queen apresentou-se junto com o músico Monahyr Campos. Ela é rapper, escritora, cineasta e atriz. Participante dos grupos Ilú Obá de Min e do Minas da Rima. A música "DIREITO DE DECIDIR" foi lançada com o grupo 'Minas da Rima' no projeto Hip Hop e ‘Direitos Sexuais e Reprodutivos’, num encontro no Rio de Janeiro com rappers de várias regiões do país, onde foi produzido o CD Hip Hop e Sexualidade. Para escutar a música "Direito de Decidir" na íntegra é só acessar: www.myspace.com/tielyqueen.
* * *
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
Simone Paulino
Bananas Verdes
- Simone Paulino é escritora. O conto "Bananas Verdes", lido no sarau, faz parte do livro "Abraços Negados", publicado em 2005, pela Editora All Books - Casa do Psicólogo. Além deste, publicou em 2003 "Identidade Perdida - Memórias de um Morador de Rua", pela Legnar Editora; em parceria com Jorge Cordeiro Barbosa, um morador de rua de SP.
- Simone Paulino é escritora. O conto "Bananas Verdes", lido no sarau, faz parte do livro "Abraços Negados", publicado em 2005, pela Editora All Books - Casa do Psicólogo. Além deste, publicou em 2003 "Identidade Perdida - Memórias de um Morador de Rua", pela Legnar Editora; em parceria com Jorge Cordeiro Barbosa, um morador de rua de SP.
Cecília Furquim - transposição de Camões
Velho do Restelo na periferia –
Criado por Cecília Furquim, a partir do Episódio do ‘Velho do Restelo’ de Camões (Os Lusíadas) para variante não culta, da periferia. Feito especialmente para o sarau e interpretado pelo ator Emerson Caperbat, com acompanhamento musical da banda ‘Tupinambá e seus Turebas’.
95
Aí Fama! Fissura! Inútil mando
Dos mano que persegue a autoridade!
Aí parada torta, anseio insano
mascarada com a tal dignidade!
Que punição gigante e puro dano
Cê quer impor ao povo da cidade!
Que extermínio, que risco, que miséria,
sem dó cê vem e enterra na galera!
96
Agonia na vida e chumbo na alma
Amiga da traição e do abandono
É uma boca que come e ainda baba
Devora o patrimônio, terra, trono
Cheia das pompa, ávida de palma
Na verdade, cê é digna de nojo
Te chamam fama, glória obcecada
Que ilude toda a gente alienada.
97
Pra que cena sangrenta cê pretende
Levar os truta e as nação toda do mundo?
Que ameaça, que escuro, que parede
Vem junto com a medalha, lá na tumba?
Quanta ilusão de grana e quanta sede
De conquista, cê planta, tão profunda?
Que parada cê jura? Que proveito?
Que trunfo, que troféu? Que lôco feito?
98 -
E vocês aí também, filho do Adão
Que desobedeceu, comeu o fruto
E levou toda a raça, sem perdão,
A ser chutada do Éden, e com tudo
Além disso, perdendo a condição
de inocência manêra, jeito puro
Foi tirado daquela vida mansa
E atirado na guerra e na matança:
99
Já que cê curte às pampa a arrogância
E com ela se entrega à fantasia;
Já que cê colocou na intolerância
nome, samba, suor e valentia;
já que cê valoriza a opulência
da morte, da extinção, revés da vida
que até Jesus na cruz, o salvador
com medo, deu à ela o seu valor.
100
Cê não segue com fé o dom de Deus,
Dele usando e abusando nas batalha?
Não fazem o mesmo, os mouro com suas lei,
Que os mano aí, com Cristo nas mortalha?
Cês já não se fartaram de ser rei,
E querem sempre mais dessas migalha?
Eles também não segue a onda bruta,
Pra conquistar a vitória nas disputa?
101
- Cês vão vazá da área, no perigo,
indo pros cafundó atrás de ouro,
deixando a terra aqui pro inimigo
E os mais fraco atolado em mal-agouro?
Prefere se lançá no alto risco
Prá sê celebridade, colhe os louro
De senhor do caminho em posse esférica
Da Ásia, Europa, África e América?
102
Eu vô rogá uma praga pro primeiro
Que criô o barco a vela e flutuou!
Navegar é preciso? Não! marinheiro
Se a lei é mesmo justa, seu doutor,
Nenhuma melodia, dom maneiro,
Nem a mais rica voz de cantador
Vai te dá Fama ou glória iluminada,
Que tua memória morra, vire nada!
103
Já ouviu falá dum mito, o Prometeu
Que trouxe pros irmão antigo o fogo?
O que devia sê luz, escureceu,
Nos cano o maior estrago, louco logro!
Se não tivesse dado o que ele deu
Pudíamo ficá longe desse jogo,
Os desejo alto, irado da partilha
prendeu em brasa a raça na guerrilha
104
Fez só besteira o filho do Deus sol
Que despencou no mar, foi pro além
E o filho do arquiteto se deu mal,
pois desobedeceu seu pai também:
nenhum impulso pulha ou celestial
por fogo, ferro ou água, o homem tem
poder de recusar, de dizer não.
Reles destino! Estranha condição.
* * *
Criado por Cecília Furquim, a partir do Episódio do ‘Velho do Restelo’ de Camões (Os Lusíadas) para variante não culta, da periferia. Feito especialmente para o sarau e interpretado pelo ator Emerson Caperbat, com acompanhamento musical da banda ‘Tupinambá e seus Turebas’.
95
Aí Fama! Fissura! Inútil mando
Dos mano que persegue a autoridade!
Aí parada torta, anseio insano
mascarada com a tal dignidade!
Que punição gigante e puro dano
Cê quer impor ao povo da cidade!
Que extermínio, que risco, que miséria,
sem dó cê vem e enterra na galera!
96
Agonia na vida e chumbo na alma
Amiga da traição e do abandono
É uma boca que come e ainda baba
Devora o patrimônio, terra, trono
Cheia das pompa, ávida de palma
Na verdade, cê é digna de nojo
Te chamam fama, glória obcecada
Que ilude toda a gente alienada.
97
Pra que cena sangrenta cê pretende
Levar os truta e as nação toda do mundo?
Que ameaça, que escuro, que parede
Vem junto com a medalha, lá na tumba?
Quanta ilusão de grana e quanta sede
De conquista, cê planta, tão profunda?
Que parada cê jura? Que proveito?
Que trunfo, que troféu? Que lôco feito?
98 -
E vocês aí também, filho do Adão
Que desobedeceu, comeu o fruto
E levou toda a raça, sem perdão,
A ser chutada do Éden, e com tudo
Além disso, perdendo a condição
de inocência manêra, jeito puro
Foi tirado daquela vida mansa
E atirado na guerra e na matança:
99
Já que cê curte às pampa a arrogância
E com ela se entrega à fantasia;
Já que cê colocou na intolerância
nome, samba, suor e valentia;
já que cê valoriza a opulência
da morte, da extinção, revés da vida
que até Jesus na cruz, o salvador
com medo, deu à ela o seu valor.
100
Cê não segue com fé o dom de Deus,
Dele usando e abusando nas batalha?
Não fazem o mesmo, os mouro com suas lei,
Que os mano aí, com Cristo nas mortalha?
Cês já não se fartaram de ser rei,
E querem sempre mais dessas migalha?
Eles também não segue a onda bruta,
Pra conquistar a vitória nas disputa?
101
- Cês vão vazá da área, no perigo,
indo pros cafundó atrás de ouro,
deixando a terra aqui pro inimigo
E os mais fraco atolado em mal-agouro?
Prefere se lançá no alto risco
Prá sê celebridade, colhe os louro
De senhor do caminho em posse esférica
Da Ásia, Europa, África e América?
102
Eu vô rogá uma praga pro primeiro
Que criô o barco a vela e flutuou!
Navegar é preciso? Não! marinheiro
Se a lei é mesmo justa, seu doutor,
Nenhuma melodia, dom maneiro,
Nem a mais rica voz de cantador
Vai te dá Fama ou glória iluminada,
Que tua memória morra, vire nada!
103
Já ouviu falá dum mito, o Prometeu
Que trouxe pros irmão antigo o fogo?
O que devia sê luz, escureceu,
Nos cano o maior estrago, louco logro!
Se não tivesse dado o que ele deu
Pudíamo ficá longe desse jogo,
Os desejo alto, irado da partilha
prendeu em brasa a raça na guerrilha
104
Fez só besteira o filho do Deus sol
Que despencou no mar, foi pro além
E o filho do arquiteto se deu mal,
pois desobedeceu seu pai também:
nenhum impulso pulha ou celestial
por fogo, ferro ou água, o homem tem
poder de recusar, de dizer não.
Reles destino! Estranha condição.
* * *
Tupinambá e seus Turebas
- A Banda de Funk-rock ‘Tupinambá e seus Turebas’ fechou o sarau com quatro canções de seu repertório: ‘Esclareça ao tal’, ‘Paga Sapo’, ‘Isso leva a quê’, e Marginal’. Em 1997 a música Marginal foi vencedora do Festivalda. Seu Cd de estréia já gravado, aguarda gravadora ou selo para futuro lançamento.
* * *
Gota d´água
GOTA D’ÁGUA:
O QUE PAIRA
NA QUEDA?
Assassinou os dois filhos e se matou.
Uma tragédia carioca: tresloucado gesto, vingança macabra, ciúme.
Joana de tal, por causa de um tal Jasão.[1]
O que o subtítulo, apresentado como notícia de jornal de crimes, tem a desestabilizar o leitor (ou espectador) da peça Gota d’água? Apenas mais uma tragédia familiar na periferia, contando com nossa indiferença disfarçada, nosso superficial susto. Mas o leitor informado já sabe que se trata de uma recriação de Medéia. A tragédia comum se destaca na identificação clássica.
Continuando, o leitor se informa do especial do Vianinha veiculado na Globo, e que inspirou a peça[2]: a nossa cultura de bicheiro, de samba, de macumba, que foram impressos à tragédia de Eurípides como denúncia social brasileira em plena ditadura. Nela, a heroína sucumbe após a vingança. E mais, o leitor se depara com isso retrabalhado pelos autores Paulo Pontes e Chico Buarque com várias outras contribuições, como: verso popular, canção urbana, teatro político e mudanças no enredo. Banaliza-se a herança aristocrática e volta-se à tragédia comum, mas com uma nota dissonante: o governo autoritário, a classe média que o apóia, a inconsciência, a paralisia das classes baixas: todos são convidados a partilhar da responsabilidade social que permeia a tragédia familiar.
Resultado: o ato final de Joana se potencializa e transborda, com infiltração incômoda, nesse percurso de ir e vir da tragédia comum à tragédia grega. Percurso formatado por uma miscelânea de referências e escolhas estéticas em que a erudição vem banhada no popular, o popular banhado na erudição. Lendo-a hoje, em 2007, a água que cai de Joana reflete, de algum modo, a água que está em cada bueiro da esquina; em cada gota que, convertida em violência, vira veneno (ou bala) e pode subitamente respingar na cara do inimigo, do amigo, de si mesmo, ou de quem passar inadvertidamente pela frente. É isso que sugere o infanticídio seguido de suicídio da protagonista: uma tragédia por demais comum e ao mesmo tempo incomum, louca e lúcida, distante e presente, desapercebida e aterradora. Querendo entender a sugestão, pretendo reconstituir um pouco da rede de relações que a torna possível.
Da tragédia Grega propriamente, a peça busca um personagem poderoso fragilizado, que suscita temor e pena. Como sabemos, Medéia era poderosa na sua aristocracia, na sua detenção de poderes sobrenaturais, na familiaridade com o Deus Sol, na coragem, determinação, e crueldade. Temida pela trajetória de ousada ajuda oferecida a Jasão na conquista do ‘velocino de ouro’, na fuga dos Argonautas, sacrificando seu irmão, e ainda ao regressar a Iolco, na vingança destinada ao tio de Jasão, que havia usurpado o trono do sobrinho. Frágil, porém, na sua condição de mulher e estrangeira, sem direitos na civilização grega; presa pelas imposições que possibilitam a manifestação do desejo ao homem, sem espaço para gozar de sua nobreza bárbara. Para contrabalançar seu baixo status de estrangeira, ela goza de respeito na comunidade. Respeito que emana da gratidão pelo fato dela ter acabado com a seca, a fome a infertilidade que tomava Corinto, condição dada a ela para poder ter seu pedido de asilo aceito[3]. Temos então uma protagonista complexa, capaz de suscitar terror e piedade, exatamente como pretendia a tragédia, segundo Aristóteles.
Essa característica funcional do mito, tal qual trabalhado por Eurípides. apresentava-se muito adequada aos propósitos de Chico e Pontes na intenção de suscitar envolvimento com a personagem Joana, cuja condição é duplamente desqualificada e explorada pelos mais ‘fortes’, no caso homens e abastados. Junto à pena, o temor é inevitável, na medida em que ela é uma ‘macumbeira’ capaz de dirigir energia destrutiva a seus inimigos e de transformar sua impotência em violência bárbara e irracional, o que de fato acontece quando ela termina por matar os próprios filhos e suicidar-se. A diferença aqui é que seus poderes não são, nem de longe, páreo para os do sistema que a esmaga. Sua dissimulação não encontra ingênuos a acreditar nela. Se há um Deus sol que a resgata para outras paragens, mais seguras, não são elas paragens imanentes.
Também o caráter complacente de Medéia, escondido no assassínio impiedoso dos próprios filhos, fica mais evidente em Gota d’água. O que mais aterroriza a platéia, qualquer mãe, qualquer ser humano e que, aparentemente não teria justificativa nenhuma, pode ser visto como benefício, se levarmos em conta a versão do mito, anterior a Eurípides, que apresentava os habitantes de Corinto como responsáveis pela morte das crianças, para vingar seus soberanos.
Segundo consta, Eurípides teria modificado sua versão a pedido dos governadores da cidade, que não queriam ver o seu nome ligado ao infanticídio. Faz, então, Medéia se incumbir do assassinato dos filhos, para que seu marido traidor sofra ainda mais. Ao fazê-lo, o autor certamente aumentou a tensão da heroína, acessando forças inconscientes muito além do aceitável. Em todo caso, a informação tradicional, de que as crianças seriam vítimas do rancor da população transferido para a prole da inimiga, leva o público a considerar a morte das crianças como um mal necessário, já que elas teriam fim pior.
Medéia (verso 1411[4]):
Não volto atrás em minhas decisões, amigas;
Sem perder tempo matarei minhas crianças
E fugirei daqui. Não quero, demorando,
Oferecer meus filhos aos golpes mortíferos
De mãos ainda mais hostis. De qualquer modo
Eles devem morrer e, se é inevitável,
Eu mesma, que os dei à luz, os matarei.
Podemos, no entanto, ao analisar os versos 1189 – 1197, abaixo, perceber que a feiticeira poderia ter usado de mágica para levá-las em sua fuga, mas aí a dimensão da vingança ao Jasão seria atenuada, e seu pathos não o permitiu:
Medéia (verso 1189[5]):
Adeus, meus desígnios de há pouco! Levarei
meus filhos para fora do país comigo.
Será que apenas para amargurar o pai
vou desgraçá-los, duplicando a minha dor?
Isso não vou fazer! Adeus meus planos... Não!
Mas, que sentimentos são esses? Vou tornar-me
alvo de escárnio, deixando meus inimigos
impunes? Não! Tenho de ousar! A covardia
abre-me a alma a pensamentos vacilantes.
Já na peça brasileira, apesar de não ter conseguido consumar a morte de seus inimigos, Joana tem motivos mais densos para pensar que o legado da vida não será um benefício às crianças, ou a ela mesma. Certamente serão maltratados, na medida em que seus poderes não são suficientes para livrá-los de uma condição difícil e injusta. Das forças de Medéia, Joana ficou apenas com uma pequena parte, e da precariedade, ficou com tudo e um pouco mais.
Joana:
Meus filhos, mamãe queria dizer
Uma coisa a vocês. Chegou a hora
de descansar. Fiquem perto de mim
......................................................
A Creonte, à filha, a Jasão e companhia
Vou deixar esse presente de casamento
Eu transfiro pra vocês a nossa agonia
Porque, meu Pai, eu compreendi que o sofrimento
De conviver com a miséria todo dia
É pior que a morte por envenenamento.[6]
Por outro lado, junto ao ‘menor dos males’ que uma mãe oferece a si mesma e sua prole, também se apresenta em Joana o ímpeto vingativo, violento, irracional de Medéia. Desde o início da peça, vemos a cisão daquilo que sustentava sua personalidade: seu ‘instinto de vida’ se apoiava exclusivamente no amor e desejo devotado ao marido. Vários foram os sacrifícios, e todos se justificavam na presença física do homem amado, fazendo-a mulher. O abandono, justamente quando ele começava a despontar como sambista respeitável, produz um vazio que a desestabiliza profundamente. Somadas a isto, as perdas anteriores, ligadas à conquista de Jasão (sua juventude, sua energia consumida), se apresentam desnecessárias. Sem o ‘prêmio’ de seus esforços, eles perdem o sentido. A percepção de ter sido usada e jogada fora quando não mais necessária, trocada por alguém mais jovem e influente, demonstra quão ilusória fora a idéia de ter sido amada; os dez anos deixam de ser motivo de orgulho para serem motivo de vergonha e ela se apresenta a si mesma, e à comunidade, como ser logrado. Sua força, que lhe dava identidade, fora toda canalizada para o sucesso alheio, nada restando a ela.
Essa experiência de mulher abandonada não poderia ser mais comum. Quantas não conhecemos que já passaram por isso? E até hoje, o que se espera de uma mulher nessa situação seria um período de luto que deve ser superado para o bem de todos.
Vizinhas:
Comadre Joana
Recolhe essa dor
Guarda o teu rancor
Pra outra ocasião
Comadre Joana
Abafa essa brasa
Recolhe pra casa
Não pensa mais não
Comadre Joana
Recolhe esses dentes
Bota panos quentes
No teu coração[7]
Como Joana não colabora com essa expectativa, demonstrando ciúmes desmedido, raiva, inconformação, e na medida em que seus inimigos temem sua força; o exílio de sua comunidade (A Vila do Meio Dia), de seu lar (casinha com várias prestações já pagas), é a ela imposto de forma extremamente violenta, com ameaças verbais e presença da polícia, junto de uma compensação em dinheiro, mascarada de favor. Nesse ponto é importante ressaltar a carga social que acompanha a trajetória da mulher, além do fato dela já ser em si determinada pela injusta situação inferiorizada no sistema patriarcal.
Joana é uma brasileira pobre. O próprio nome dado a ela reforça isso. É o feminino de João, nome masculino dos mais populares aqui. Maria seria o feminino equivalente em popularidade; seguido de outros como Ana. Porém, o que temos é Joana: masculino tornado feminino. Sendo feminina na dedicação, na doação; masculina na altivez, na indisposição ao conformismo, na violência; Joana carrega também no nome algo de um andrógino de baixo poder aquisitivo. Já os nomes dos homens algozes de sua fragilidade amorosa e política, Jasão e Creonte, não se alteraram, continuam os mesmos da tragédia de Eurípides. Creonte é um representante da dominação capitalista e Jasão, atraído, se une a ele. Não têm, portanto, uma identificação genuína pela terra, e a manutenção de seus nomes fica aí coerente.
A condição de feiticeira de Medéia, transformada em umbandista ou macumbeira, transpõe com sucesso o caráter bárbaro da heroína, detentora de saberes mágicos em terra estrangeira. O umbandista no Brasil é o elemento africano transplantado, vítima da escravidão, que resistiu adaptando sua cultura ao local. Joana toma então contornos de uma brasileira típica, miscigenada na raça, na cultura, na religião; exercendo a herança escravocrata de explorada sem direitos num momento de ditadura militar, quando a crescente desproporção de renda das classes é o modelo implantado pelo regime autoritário.
A realeza de Creonte se dá no fato dele ser o dono de um condomínio de moradores de baixa renda, no Rio de Janeiro, que fez as vendas em sistema de empréstimo a juros altos. Todos devem ser submissos a ele por não estarem em dia com as prestações, podendo ser expulsos e perder o investimento feito. Essa estratégia de atualizar o poder de um ‘rei’ diante de seus ‘súditos’ foi criticada como inverossímil por Sábato Magaldi na época de lançamento da peça, já que a cobrança de correção monetária não era, naquele momento, permitida aos particulares. No entanto Sábato admite que, apesar de incômoda, a inverossimilhança serve como “símbolo do sistema imobiliário vigente”[8].
O que vemos em Gota D’água é, então, o drama de Medéia como cidadã, estendido ao de todos os outros habitantes do condomínio, e por analogia, ao de todos os brasileiros pobres procurando moradia. A tensão da heroína é partilhada por um grupo, não como sugestão, mas se materializa de fato nos vizinhos e nas vizinhas. Eles poderiam ser identificados apenas à função de comentadores da ação do coro Grego, voz da comunidade; porém passam a fazer parte direta do conflito, sendo conscientizados e liderados por Egeu contra os abusos de Creonte. A tentativa do ‘rei de Atenas’ é frustrada pelo inimigo com a oferta de quitação das dívidas anteriores e melhorias no condomínio: construção de uma quadra de futebol, colocação de telefones e reforma das fachadas. A ilusão de estarem sendo beneficiados faz com que os moradores parem com seu movimento de protesto e façam um esforço para continuar a pagar as prestações que restam e seus juros exorbitantes. Essa tática, elaborada por Jasão, já ‘vendido’ ao sogro, tem um desenvolvimento um tanto quanto ‘didático’, bem ao gosto dos preceitos Brechtinianos; procurando alertar claramente o público mais ingênuo com relação às estratégias governamentais de ludibriar o povo e arrochar ainda mais os baixos salários. O apelo ao futebol, a uma ‘modernização’ e ‘embelezamento’ do espaço comunitário são significativos e nos remetem ao slogan: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Não apenas Jasão aparece como traidor da sua gente, mas também os moradores, sem perceber, colaboram com o inimigo contra eles mesmos e compactuam com a injusta perda de moradia e imposição de exílio, feitas à Joana, ao deixar-se pacificar pelas ofertas e aceitar trabalho na festa de casamento de Jasão.
Se, por um lado, a inserção de ações paralelas na incitação ao protesto e seu abafamento conquistam o intento de didatismo, caro à reflexão política que deve acompanhar o teatro com preocupações sociais, segundo Brecht; por outro favorece um aspecto da peça que é a extensão excessiva de sua narração, tornando-a um pouco cansativa.
Somadas a este recurso épico, as músicas também têm função de distanciamento, quebrando o realismo, a ilusão, e lembrando ao público que aquilo nada mais é do que um espetáculo. As letras e melodias, verdadeiras obras primas que acompanharam as gerações vindouras, reforçam os muitos dramas envolvidos, a começar pelo de Jasão, o autor da música tema. No entanto, ‘Gota d’água’ é paulatinamente apropriada por Joana, e termina por pairar como parte perigosa do copo de todos os cidadãos: aqueles desrespeitados pelo regime, que podem explodir em vingança sangrenta, e aqueles que com eles convivem.
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor
Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção
Faça não
Pode ser a gota d’água.[9]
Joana dessa forma, abusada como mulher e cidadã, é pressionada a uma saída apenas: submissão e sobrevivência precária, tendo que começar do zero novamente num outro lugar, só que com dois filhos, muitas rugas e dores a mais. Assim como Medéia, instigada pela necessidade de dignidade em detrimento da ‘sobrevivência’, Joana deixa-se levar pela fúria irracional atacando seus inimigos. Como foi dito, porém, o Creonte brasileiro não é presa fácil, e rejeita os bolinhos envenenados que ela oferece à sua filha. Joana assassina, em seguida, os filhos, para poupá-los, acreditando no ‘menor dos males’ e, ao mesmo tempo, para puni-los, dando vazão a uma rejeição destacada desde o início, quando coloca parte da culpa no nascimento e criação de seus rebentos por um envelhecimento prematuro que teria levado Jasão a considerá-la menos atraente. Também, e principalmente, realiza a grande vingança de retirar os frutos de seu amor da estirpe de Jasão, negando a ele a continuidade da vida através dos filhos. A sobreposição de ‘instinto de morte’ fica evidente por ser Joana igualmente punida e por não haver nada mais auto-flagelador para uma mãe do que sacrificar ela mesma sua cria. De forma diferenciada de Medéia, seguindo a idéia de Viana Filho, suicida-se completando o processo de auto-destruição.
As forças do ID se manifestam com toda a sua cólera contra o ‘super ego’ civilizador. O excesso de violência que sofreu do sistema ‘civilizado’ não parece ser menos cruel do que o modo de vida bárbaro das antecessoras tribais de Medéia, no sistema matriarcal, que sacrificava humanos na busca de revitalização na morte, como continuidade do ciclo da vida[10]. Um grande ‘não’, absurdo e cheio de razão é o resultado da gota final, denunciando a "interseção do mal que se sente (a dor) e do mal que se inflige (a iniquidade)’[11]. Crueldade bárbara por crueldade civilizada. Uma reação plena de desequilíbrio, com forças edificantes e destruidoras, que dão à peça carioca brilho e energia. Do contrário teríamos apenas uma fórmula maniqueísta, direcionada à denúncia social.
As virtudes e mesmo os ‘defeitos’ da peça foram cuidadosamente elaborados por Chico e Pontes para atingir um determinado efeito: envolver o espectador num emaranhado de sensações, encantamentos, estranhamentos, lucidez política, desesperança e indignação. Na introdução ao texto dramático, os autores compartilham as preocupações que encaminharam sua criação, elencando três, consideradas fundamentais: a denúncia da função do regime autoritário na implantação do modelo de intensa desproporção de renda das classes, bem como o papel da classe média na sua legitimação; a busca da identidade cultural brasileira na figura e trajetória do povo, remontando ao programa da dramaturgia nacional popular iniciado na década de 60; e finalmente a preocupação formal. Foi ressaltada a necessidade de resgatar a palavra como ‘centro do acontecimento dramático’, ou seja, como veículo de reflexão de uma realidade complexa, ferramenta de transporte ao pensamento racional, profundamente indagativo da vida humana e social.
Os autores elegeram a poesia como a forma mais adequada de trabalhar a palavra, já que, aliada à música, ela persegue o questionamento da vida, no que tem de palpável, concreto, frio, calculado, por um lado; sem deixar de envolver o que tem de obscuro, relativo, passional, imprevisível por outro. Com o verso propuseram-se a buscar uma racionalidade, que eles chamaram de ‘não estreita’, evitando um discurso realista.
No entanto, o efeito geral das falas dos personagens juntamente com a estrutura da peça, estão fortemente amparados num mundo imaginário, não de todo, mas com uma boa carga realista, se o compararmos com outras experiências da arte moderna. Obras de vanguarda consideraram o realismo insuficiente para abarcar a complexidade da experiência humana na modernidade, e procuraram evitá-lo. Porém, o teatro popular tende a apropriar-se de formas expressivas que estabeleçam uma comunicação imediata com o espectador, para garantir sua compreensão por amplas camadas da população. É o caso de Gota d’água, que se afasta do realismo em alguns aspectos, mas não procura radicalismos experimentais para não correr o risco de tornar-se hermética. Ao privilegiar o raciocínio ‘não estreito’ e ao mesmo tempo ambicionar um público largo, a obra volta-se para a poesia popular.
Chico e Pontes criaram um texto profundamente melopéico, que percorre a peça desde a primeira fala até a última, sem ficar incompatível com a intenção de reconstituir o coloquialismo das variantes lingüísticas de classes cariocas desfavorecidas, da década de 70. Há elevação da forma poética ao status de molde de todo o mundo imaginário, que será erguido diante dos olhos e ouvidos do espectador, assim como na antiga tragédia Ática. Porém o tom elevado é invertido, seguindo a tendência moderna, e a informalidade é construída através de uma escolha lexical coerente com a variante dos personagens, carregada de expressões idiomáticas próprias, gírias, palavras de baixo calão, e freqüente rebaixamento de imagens. O caráter chulo da linguagem do subúrbio é intensamente explorado, criando um certo choque estético.
A peça teve grande impacto de crítica e de público quando lançada, e acredito que não tenha sido uma ‘voz’ transitória. Embora, nos dias de hoje, o questionamento social que ela encerra possa parecer, em alguns aspectos ‘fora de época’, porque aparentemente simplificado e insuficiente para os rumos atuais, Gota d’água ainda tem um poder iluminador e iluminado, atual e contundente, graças à sua forma ‘não estreita’.
Tivemos, em fevereiro deste ano, discussões acaloradas sobre a morte brutal de um garoto no Rio de Janeiro, que fora arrastado pela rua, preso ao carro e esmagado contra o asfalto; e de como um de seus algozes, menor de idade, reforçou desvios tão cômodos para o sistema, como a exigência da diminuição da idade penal. Estamos em meio a casos e casos de tragédias comuns que se repetem, de Joanas, Joãos e Anas, usados, descartados e vingativos que saem por aí matando passantes, inimigos e filhos, e se matando a cada dia. Essas Joanas que amamos e odiamos, que queremos ajudar e não ajudamos, têm muito ainda que comover e destruir, reproduzindo o ‘não’ bárbaro, em meio à barbárie da civilização.
Cecilia Silva Furquim Marinho
(Trabalho apresentado para o professor Jayme Guinsburg no programa de pós graduação em literatura Brasileira, na disciplina ‘Autoritarismo, Violência e Melancolia’, realizada no primeiro semestre de 2007)
Notas:
[1] Citação não literal dos dizeres na capa da peça Gota d’água (Buarque & Pontes, 1976)
[2] Na introdução à peça, os autores afirmam que a adaptação de Medéia para a tv “forneceu a indicação de que na densa trama de Eurípides estavam contidos os elementos da tragédia” que queriam revelar. (id., p.xx). O roteiro de Oduvaldo Viana Filho foi publicado na ‘Revista Vozes’ (Viana Filho, 1999 – p127-158).
[3] Candido, Dezembro de 2001.
[4] Medéia, tradução de Mário da Gama Kury (Eurípides. 1991, p 69)
[5] Id. p 62.
[6] Buarque e Pontes. Ibid. p 167.
[7] Buarque e Pontes. Ibid. p 37.
[8] Magaldi (Jornal da Tarde, 30/01/76)
[9] Buarque e Pontes. Ibid. p 159.
[10] Rinne, 1988 – p43.
[11] Janine Ribeiro, 1999, p 12.
BIBLIOGRAFIA
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O QUE PAIRA
NA QUEDA?
Assassinou os dois filhos e se matou.
Uma tragédia carioca: tresloucado gesto, vingança macabra, ciúme.
Joana de tal, por causa de um tal Jasão.[1]
O que o subtítulo, apresentado como notícia de jornal de crimes, tem a desestabilizar o leitor (ou espectador) da peça Gota d’água? Apenas mais uma tragédia familiar na periferia, contando com nossa indiferença disfarçada, nosso superficial susto. Mas o leitor informado já sabe que se trata de uma recriação de Medéia. A tragédia comum se destaca na identificação clássica.
Continuando, o leitor se informa do especial do Vianinha veiculado na Globo, e que inspirou a peça[2]: a nossa cultura de bicheiro, de samba, de macumba, que foram impressos à tragédia de Eurípides como denúncia social brasileira em plena ditadura. Nela, a heroína sucumbe após a vingança. E mais, o leitor se depara com isso retrabalhado pelos autores Paulo Pontes e Chico Buarque com várias outras contribuições, como: verso popular, canção urbana, teatro político e mudanças no enredo. Banaliza-se a herança aristocrática e volta-se à tragédia comum, mas com uma nota dissonante: o governo autoritário, a classe média que o apóia, a inconsciência, a paralisia das classes baixas: todos são convidados a partilhar da responsabilidade social que permeia a tragédia familiar.
Resultado: o ato final de Joana se potencializa e transborda, com infiltração incômoda, nesse percurso de ir e vir da tragédia comum à tragédia grega. Percurso formatado por uma miscelânea de referências e escolhas estéticas em que a erudição vem banhada no popular, o popular banhado na erudição. Lendo-a hoje, em 2007, a água que cai de Joana reflete, de algum modo, a água que está em cada bueiro da esquina; em cada gota que, convertida em violência, vira veneno (ou bala) e pode subitamente respingar na cara do inimigo, do amigo, de si mesmo, ou de quem passar inadvertidamente pela frente. É isso que sugere o infanticídio seguido de suicídio da protagonista: uma tragédia por demais comum e ao mesmo tempo incomum, louca e lúcida, distante e presente, desapercebida e aterradora. Querendo entender a sugestão, pretendo reconstituir um pouco da rede de relações que a torna possível.
Da tragédia Grega propriamente, a peça busca um personagem poderoso fragilizado, que suscita temor e pena. Como sabemos, Medéia era poderosa na sua aristocracia, na sua detenção de poderes sobrenaturais, na familiaridade com o Deus Sol, na coragem, determinação, e crueldade. Temida pela trajetória de ousada ajuda oferecida a Jasão na conquista do ‘velocino de ouro’, na fuga dos Argonautas, sacrificando seu irmão, e ainda ao regressar a Iolco, na vingança destinada ao tio de Jasão, que havia usurpado o trono do sobrinho. Frágil, porém, na sua condição de mulher e estrangeira, sem direitos na civilização grega; presa pelas imposições que possibilitam a manifestação do desejo ao homem, sem espaço para gozar de sua nobreza bárbara. Para contrabalançar seu baixo status de estrangeira, ela goza de respeito na comunidade. Respeito que emana da gratidão pelo fato dela ter acabado com a seca, a fome a infertilidade que tomava Corinto, condição dada a ela para poder ter seu pedido de asilo aceito[3]. Temos então uma protagonista complexa, capaz de suscitar terror e piedade, exatamente como pretendia a tragédia, segundo Aristóteles.
Essa característica funcional do mito, tal qual trabalhado por Eurípides. apresentava-se muito adequada aos propósitos de Chico e Pontes na intenção de suscitar envolvimento com a personagem Joana, cuja condição é duplamente desqualificada e explorada pelos mais ‘fortes’, no caso homens e abastados. Junto à pena, o temor é inevitável, na medida em que ela é uma ‘macumbeira’ capaz de dirigir energia destrutiva a seus inimigos e de transformar sua impotência em violência bárbara e irracional, o que de fato acontece quando ela termina por matar os próprios filhos e suicidar-se. A diferença aqui é que seus poderes não são, nem de longe, páreo para os do sistema que a esmaga. Sua dissimulação não encontra ingênuos a acreditar nela. Se há um Deus sol que a resgata para outras paragens, mais seguras, não são elas paragens imanentes.
Também o caráter complacente de Medéia, escondido no assassínio impiedoso dos próprios filhos, fica mais evidente em Gota d’água. O que mais aterroriza a platéia, qualquer mãe, qualquer ser humano e que, aparentemente não teria justificativa nenhuma, pode ser visto como benefício, se levarmos em conta a versão do mito, anterior a Eurípides, que apresentava os habitantes de Corinto como responsáveis pela morte das crianças, para vingar seus soberanos.
Segundo consta, Eurípides teria modificado sua versão a pedido dos governadores da cidade, que não queriam ver o seu nome ligado ao infanticídio. Faz, então, Medéia se incumbir do assassinato dos filhos, para que seu marido traidor sofra ainda mais. Ao fazê-lo, o autor certamente aumentou a tensão da heroína, acessando forças inconscientes muito além do aceitável. Em todo caso, a informação tradicional, de que as crianças seriam vítimas do rancor da população transferido para a prole da inimiga, leva o público a considerar a morte das crianças como um mal necessário, já que elas teriam fim pior.
Medéia (verso 1411[4]):
Não volto atrás em minhas decisões, amigas;
Sem perder tempo matarei minhas crianças
E fugirei daqui. Não quero, demorando,
Oferecer meus filhos aos golpes mortíferos
De mãos ainda mais hostis. De qualquer modo
Eles devem morrer e, se é inevitável,
Eu mesma, que os dei à luz, os matarei.
Podemos, no entanto, ao analisar os versos 1189 – 1197, abaixo, perceber que a feiticeira poderia ter usado de mágica para levá-las em sua fuga, mas aí a dimensão da vingança ao Jasão seria atenuada, e seu pathos não o permitiu:
Medéia (verso 1189[5]):
Adeus, meus desígnios de há pouco! Levarei
meus filhos para fora do país comigo.
Será que apenas para amargurar o pai
vou desgraçá-los, duplicando a minha dor?
Isso não vou fazer! Adeus meus planos... Não!
Mas, que sentimentos são esses? Vou tornar-me
alvo de escárnio, deixando meus inimigos
impunes? Não! Tenho de ousar! A covardia
abre-me a alma a pensamentos vacilantes.
Já na peça brasileira, apesar de não ter conseguido consumar a morte de seus inimigos, Joana tem motivos mais densos para pensar que o legado da vida não será um benefício às crianças, ou a ela mesma. Certamente serão maltratados, na medida em que seus poderes não são suficientes para livrá-los de uma condição difícil e injusta. Das forças de Medéia, Joana ficou apenas com uma pequena parte, e da precariedade, ficou com tudo e um pouco mais.
Joana:
Meus filhos, mamãe queria dizer
Uma coisa a vocês. Chegou a hora
de descansar. Fiquem perto de mim
......................................................
A Creonte, à filha, a Jasão e companhia
Vou deixar esse presente de casamento
Eu transfiro pra vocês a nossa agonia
Porque, meu Pai, eu compreendi que o sofrimento
De conviver com a miséria todo dia
É pior que a morte por envenenamento.[6]
Por outro lado, junto ao ‘menor dos males’ que uma mãe oferece a si mesma e sua prole, também se apresenta em Joana o ímpeto vingativo, violento, irracional de Medéia. Desde o início da peça, vemos a cisão daquilo que sustentava sua personalidade: seu ‘instinto de vida’ se apoiava exclusivamente no amor e desejo devotado ao marido. Vários foram os sacrifícios, e todos se justificavam na presença física do homem amado, fazendo-a mulher. O abandono, justamente quando ele começava a despontar como sambista respeitável, produz um vazio que a desestabiliza profundamente. Somadas a isto, as perdas anteriores, ligadas à conquista de Jasão (sua juventude, sua energia consumida), se apresentam desnecessárias. Sem o ‘prêmio’ de seus esforços, eles perdem o sentido. A percepção de ter sido usada e jogada fora quando não mais necessária, trocada por alguém mais jovem e influente, demonstra quão ilusória fora a idéia de ter sido amada; os dez anos deixam de ser motivo de orgulho para serem motivo de vergonha e ela se apresenta a si mesma, e à comunidade, como ser logrado. Sua força, que lhe dava identidade, fora toda canalizada para o sucesso alheio, nada restando a ela.
Essa experiência de mulher abandonada não poderia ser mais comum. Quantas não conhecemos que já passaram por isso? E até hoje, o que se espera de uma mulher nessa situação seria um período de luto que deve ser superado para o bem de todos.
Vizinhas:
Comadre Joana
Recolhe essa dor
Guarda o teu rancor
Pra outra ocasião
Comadre Joana
Abafa essa brasa
Recolhe pra casa
Não pensa mais não
Comadre Joana
Recolhe esses dentes
Bota panos quentes
No teu coração[7]
Como Joana não colabora com essa expectativa, demonstrando ciúmes desmedido, raiva, inconformação, e na medida em que seus inimigos temem sua força; o exílio de sua comunidade (A Vila do Meio Dia), de seu lar (casinha com várias prestações já pagas), é a ela imposto de forma extremamente violenta, com ameaças verbais e presença da polícia, junto de uma compensação em dinheiro, mascarada de favor. Nesse ponto é importante ressaltar a carga social que acompanha a trajetória da mulher, além do fato dela já ser em si determinada pela injusta situação inferiorizada no sistema patriarcal.
Joana é uma brasileira pobre. O próprio nome dado a ela reforça isso. É o feminino de João, nome masculino dos mais populares aqui. Maria seria o feminino equivalente em popularidade; seguido de outros como Ana. Porém, o que temos é Joana: masculino tornado feminino. Sendo feminina na dedicação, na doação; masculina na altivez, na indisposição ao conformismo, na violência; Joana carrega também no nome algo de um andrógino de baixo poder aquisitivo. Já os nomes dos homens algozes de sua fragilidade amorosa e política, Jasão e Creonte, não se alteraram, continuam os mesmos da tragédia de Eurípides. Creonte é um representante da dominação capitalista e Jasão, atraído, se une a ele. Não têm, portanto, uma identificação genuína pela terra, e a manutenção de seus nomes fica aí coerente.
A condição de feiticeira de Medéia, transformada em umbandista ou macumbeira, transpõe com sucesso o caráter bárbaro da heroína, detentora de saberes mágicos em terra estrangeira. O umbandista no Brasil é o elemento africano transplantado, vítima da escravidão, que resistiu adaptando sua cultura ao local. Joana toma então contornos de uma brasileira típica, miscigenada na raça, na cultura, na religião; exercendo a herança escravocrata de explorada sem direitos num momento de ditadura militar, quando a crescente desproporção de renda das classes é o modelo implantado pelo regime autoritário.
A realeza de Creonte se dá no fato dele ser o dono de um condomínio de moradores de baixa renda, no Rio de Janeiro, que fez as vendas em sistema de empréstimo a juros altos. Todos devem ser submissos a ele por não estarem em dia com as prestações, podendo ser expulsos e perder o investimento feito. Essa estratégia de atualizar o poder de um ‘rei’ diante de seus ‘súditos’ foi criticada como inverossímil por Sábato Magaldi na época de lançamento da peça, já que a cobrança de correção monetária não era, naquele momento, permitida aos particulares. No entanto Sábato admite que, apesar de incômoda, a inverossimilhança serve como “símbolo do sistema imobiliário vigente”[8].
O que vemos em Gota D’água é, então, o drama de Medéia como cidadã, estendido ao de todos os outros habitantes do condomínio, e por analogia, ao de todos os brasileiros pobres procurando moradia. A tensão da heroína é partilhada por um grupo, não como sugestão, mas se materializa de fato nos vizinhos e nas vizinhas. Eles poderiam ser identificados apenas à função de comentadores da ação do coro Grego, voz da comunidade; porém passam a fazer parte direta do conflito, sendo conscientizados e liderados por Egeu contra os abusos de Creonte. A tentativa do ‘rei de Atenas’ é frustrada pelo inimigo com a oferta de quitação das dívidas anteriores e melhorias no condomínio: construção de uma quadra de futebol, colocação de telefones e reforma das fachadas. A ilusão de estarem sendo beneficiados faz com que os moradores parem com seu movimento de protesto e façam um esforço para continuar a pagar as prestações que restam e seus juros exorbitantes. Essa tática, elaborada por Jasão, já ‘vendido’ ao sogro, tem um desenvolvimento um tanto quanto ‘didático’, bem ao gosto dos preceitos Brechtinianos; procurando alertar claramente o público mais ingênuo com relação às estratégias governamentais de ludibriar o povo e arrochar ainda mais os baixos salários. O apelo ao futebol, a uma ‘modernização’ e ‘embelezamento’ do espaço comunitário são significativos e nos remetem ao slogan: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Não apenas Jasão aparece como traidor da sua gente, mas também os moradores, sem perceber, colaboram com o inimigo contra eles mesmos e compactuam com a injusta perda de moradia e imposição de exílio, feitas à Joana, ao deixar-se pacificar pelas ofertas e aceitar trabalho na festa de casamento de Jasão.
Se, por um lado, a inserção de ações paralelas na incitação ao protesto e seu abafamento conquistam o intento de didatismo, caro à reflexão política que deve acompanhar o teatro com preocupações sociais, segundo Brecht; por outro favorece um aspecto da peça que é a extensão excessiva de sua narração, tornando-a um pouco cansativa.
Somadas a este recurso épico, as músicas também têm função de distanciamento, quebrando o realismo, a ilusão, e lembrando ao público que aquilo nada mais é do que um espetáculo. As letras e melodias, verdadeiras obras primas que acompanharam as gerações vindouras, reforçam os muitos dramas envolvidos, a começar pelo de Jasão, o autor da música tema. No entanto, ‘Gota d’água’ é paulatinamente apropriada por Joana, e termina por pairar como parte perigosa do copo de todos os cidadãos: aqueles desrespeitados pelo regime, que podem explodir em vingança sangrenta, e aqueles que com eles convivem.
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor
Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção
Faça não
Pode ser a gota d’água.[9]
Joana dessa forma, abusada como mulher e cidadã, é pressionada a uma saída apenas: submissão e sobrevivência precária, tendo que começar do zero novamente num outro lugar, só que com dois filhos, muitas rugas e dores a mais. Assim como Medéia, instigada pela necessidade de dignidade em detrimento da ‘sobrevivência’, Joana deixa-se levar pela fúria irracional atacando seus inimigos. Como foi dito, porém, o Creonte brasileiro não é presa fácil, e rejeita os bolinhos envenenados que ela oferece à sua filha. Joana assassina, em seguida, os filhos, para poupá-los, acreditando no ‘menor dos males’ e, ao mesmo tempo, para puni-los, dando vazão a uma rejeição destacada desde o início, quando coloca parte da culpa no nascimento e criação de seus rebentos por um envelhecimento prematuro que teria levado Jasão a considerá-la menos atraente. Também, e principalmente, realiza a grande vingança de retirar os frutos de seu amor da estirpe de Jasão, negando a ele a continuidade da vida através dos filhos. A sobreposição de ‘instinto de morte’ fica evidente por ser Joana igualmente punida e por não haver nada mais auto-flagelador para uma mãe do que sacrificar ela mesma sua cria. De forma diferenciada de Medéia, seguindo a idéia de Viana Filho, suicida-se completando o processo de auto-destruição.
As forças do ID se manifestam com toda a sua cólera contra o ‘super ego’ civilizador. O excesso de violência que sofreu do sistema ‘civilizado’ não parece ser menos cruel do que o modo de vida bárbaro das antecessoras tribais de Medéia, no sistema matriarcal, que sacrificava humanos na busca de revitalização na morte, como continuidade do ciclo da vida[10]. Um grande ‘não’, absurdo e cheio de razão é o resultado da gota final, denunciando a "interseção do mal que se sente (a dor) e do mal que se inflige (a iniquidade)’[11]. Crueldade bárbara por crueldade civilizada. Uma reação plena de desequilíbrio, com forças edificantes e destruidoras, que dão à peça carioca brilho e energia. Do contrário teríamos apenas uma fórmula maniqueísta, direcionada à denúncia social.
As virtudes e mesmo os ‘defeitos’ da peça foram cuidadosamente elaborados por Chico e Pontes para atingir um determinado efeito: envolver o espectador num emaranhado de sensações, encantamentos, estranhamentos, lucidez política, desesperança e indignação. Na introdução ao texto dramático, os autores compartilham as preocupações que encaminharam sua criação, elencando três, consideradas fundamentais: a denúncia da função do regime autoritário na implantação do modelo de intensa desproporção de renda das classes, bem como o papel da classe média na sua legitimação; a busca da identidade cultural brasileira na figura e trajetória do povo, remontando ao programa da dramaturgia nacional popular iniciado na década de 60; e finalmente a preocupação formal. Foi ressaltada a necessidade de resgatar a palavra como ‘centro do acontecimento dramático’, ou seja, como veículo de reflexão de uma realidade complexa, ferramenta de transporte ao pensamento racional, profundamente indagativo da vida humana e social.
Os autores elegeram a poesia como a forma mais adequada de trabalhar a palavra, já que, aliada à música, ela persegue o questionamento da vida, no que tem de palpável, concreto, frio, calculado, por um lado; sem deixar de envolver o que tem de obscuro, relativo, passional, imprevisível por outro. Com o verso propuseram-se a buscar uma racionalidade, que eles chamaram de ‘não estreita’, evitando um discurso realista.
No entanto, o efeito geral das falas dos personagens juntamente com a estrutura da peça, estão fortemente amparados num mundo imaginário, não de todo, mas com uma boa carga realista, se o compararmos com outras experiências da arte moderna. Obras de vanguarda consideraram o realismo insuficiente para abarcar a complexidade da experiência humana na modernidade, e procuraram evitá-lo. Porém, o teatro popular tende a apropriar-se de formas expressivas que estabeleçam uma comunicação imediata com o espectador, para garantir sua compreensão por amplas camadas da população. É o caso de Gota d’água, que se afasta do realismo em alguns aspectos, mas não procura radicalismos experimentais para não correr o risco de tornar-se hermética. Ao privilegiar o raciocínio ‘não estreito’ e ao mesmo tempo ambicionar um público largo, a obra volta-se para a poesia popular.
Chico e Pontes criaram um texto profundamente melopéico, que percorre a peça desde a primeira fala até a última, sem ficar incompatível com a intenção de reconstituir o coloquialismo das variantes lingüísticas de classes cariocas desfavorecidas, da década de 70. Há elevação da forma poética ao status de molde de todo o mundo imaginário, que será erguido diante dos olhos e ouvidos do espectador, assim como na antiga tragédia Ática. Porém o tom elevado é invertido, seguindo a tendência moderna, e a informalidade é construída através de uma escolha lexical coerente com a variante dos personagens, carregada de expressões idiomáticas próprias, gírias, palavras de baixo calão, e freqüente rebaixamento de imagens. O caráter chulo da linguagem do subúrbio é intensamente explorado, criando um certo choque estético.
A peça teve grande impacto de crítica e de público quando lançada, e acredito que não tenha sido uma ‘voz’ transitória. Embora, nos dias de hoje, o questionamento social que ela encerra possa parecer, em alguns aspectos ‘fora de época’, porque aparentemente simplificado e insuficiente para os rumos atuais, Gota d’água ainda tem um poder iluminador e iluminado, atual e contundente, graças à sua forma ‘não estreita’.
Tivemos, em fevereiro deste ano, discussões acaloradas sobre a morte brutal de um garoto no Rio de Janeiro, que fora arrastado pela rua, preso ao carro e esmagado contra o asfalto; e de como um de seus algozes, menor de idade, reforçou desvios tão cômodos para o sistema, como a exigência da diminuição da idade penal. Estamos em meio a casos e casos de tragédias comuns que se repetem, de Joanas, Joãos e Anas, usados, descartados e vingativos que saem por aí matando passantes, inimigos e filhos, e se matando a cada dia. Essas Joanas que amamos e odiamos, que queremos ajudar e não ajudamos, têm muito ainda que comover e destruir, reproduzindo o ‘não’ bárbaro, em meio à barbárie da civilização.
Cecilia Silva Furquim Marinho
(Trabalho apresentado para o professor Jayme Guinsburg no programa de pós graduação em literatura Brasileira, na disciplina ‘Autoritarismo, Violência e Melancolia’, realizada no primeiro semestre de 2007)
Notas:
[1] Citação não literal dos dizeres na capa da peça Gota d’água (Buarque & Pontes, 1976)
[2] Na introdução à peça, os autores afirmam que a adaptação de Medéia para a tv “forneceu a indicação de que na densa trama de Eurípides estavam contidos os elementos da tragédia” que queriam revelar. (id., p.xx). O roteiro de Oduvaldo Viana Filho foi publicado na ‘Revista Vozes’ (Viana Filho, 1999 – p127-158).
[3] Candido, Dezembro de 2001.
[4] Medéia, tradução de Mário da Gama Kury (Eurípides. 1991, p 69)
[5] Id. p 62.
[6] Buarque e Pontes. Ibid. p 167.
[7] Buarque e Pontes. Ibid. p 37.
[8] Magaldi (Jornal da Tarde, 30/01/76)
[9] Buarque e Pontes. Ibid. p 159.
[10] Rinne, 1988 – p43.
[11] Janine Ribeiro, 1999, p 12.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Ars Poética, 1993.
BUARQUE, Chico e PONTES, Paulo. Gota D’água. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
CANDIDO, Maria Regina O Saber mágico de Medéia in Mirabilia - Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval 1. Brasil, Dezembro de 2001. Internet: http://www.revistamirabilia.com/Numeros/Num1/www.revistamirabilia.com
EURÍPIDES. Medéia, Hipólito, As Troianas. Tradução do Grego, introdução e notas de Mário da Gama Kuri. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1991.
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Novos estudos Cebrap. N32, mar.1992.
LESKY, Albin. A tragédia Grega. São Paulo: Perspectiva, 1976.
MACIEL, Diógenes André Vieira. ‘O teatro de Chico Buarque’ in Chico Buarque do Brasil: textos sobre as canções, o teatro e a ficção de um artista brasileiro (organização: FERNANDES, Rinaldo) Rio de Janeiro. Garamond: Fundação Biblioteca Nacional, 2004.
___________________________. Das Naus Argivas ao Subúrbio Carioca – percursos de um mito Grego da Medéia (1972) à Gota D’água (1972) – Universidade Federal da Paraíba. in Fênix - Revista de História e Estudos Culturais Out/Nov/Dez de 2004 - Vol 1, ano 1, no 1. http://www.revistafenix.pro.br/pdf/Artigo%20Diogenes%20Maciel.pdf
MAGALDI, Sábato. (Jornal da Tarde, 30/01/76) Uma ovação para a tragédia brasileira in http://chicobuarque.uol.com.br/critica/crit_gota_tragedia.htm
MARCUSE, Herbert. ‘A origem do indivíduo reprimido’ in Eros e Civilização. Guanabara Koogan (8ª edição).
MENESES, Adélia Bezerra. ‘Uma evolução: da janela para a vida’ in Figuras do Feminino na canção de Chico Buarque. Cotia: Ateliê Editorial, 2000.
PEIXOTO, Fernando. ‘Muito mais que uma gota d’água’; ‘Subúrbio e Poesia’ e ‘Paulo Pontes’ in Teatro em Pedaços. São Paulo: Hucitec, 1980.
RIBEIRO, Renato Janine. “A dor e a injustiça’ in Razões Públicas e Emoções Privadas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
RINNE, Olga. Medéia: o direito à ira e ao ciúme. Trad. Marget Martinic e Daniel Camarinha da Silva. São Paulo: Cultrix, 1999.
ROSENFELD, Anatol. ‘Brecht’ in O teatro moderno. São Paulo: Perspectiva, 1977.
SCHOLLHAMMER Karl Erik. ‘Os cenários urbanos da violência brasileira’ in Linguagens da violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
VIANA FILHO, Oduvaldo. Teatro: Caso Especial – Medéia. Cultura Vozes, Petrópolis, n 5, p 127 – 158, set/out de 1999.
domingo, 5 de agosto de 2007
Direito
Direito de ficar calado
Só pra quem tá do outro lado
Ou quase
Inocente até que provem
Só o poder prova
Ou quase
Direito de murro
Só pra quem não tem muro
Ou quase
Cecilia Furquim - 2007
Só pra quem tá do outro lado
Ou quase
Inocente até que provem
Só o poder prova
Ou quase
Direito de murro
Só pra quem não tem muro
Ou quase
Cecilia Furquim - 2007
Íris
No sul
do globo,
do esquerdo lóbulo,
naquele
contingente continente
Lá no profundo sul
das raças,
da falácia-infância
Contempla-se o céu
laçando
constelações:
celeste Centauro,
Escorpião, Unicórnio
Mas, o laço não acerta
Íris ali, só parindo
Marias,
as três unidas
a milhares de milhas
uma da outra.
Pueril íris só, apenas
cruzando
o fulgo-luzir
do cruzeiro do sul.
Ao Sul
perto da Pálida
a Intrusa estrela fornece
o exclusivo acesso-sésamo
à nossa cruz de cinco pontas.
Ciça Furquim - 2006
do globo,
do esquerdo lóbulo,
naquele
contingente continente
Lá no profundo sul
das raças,
da falácia-infância
Contempla-se o céu
laçando
constelações:
celeste Centauro,
Escorpião, Unicórnio
Mas, o laço não acerta
Íris ali, só parindo
Marias,
as três unidas
a milhares de milhas
uma da outra.
Pueril íris só, apenas
cruzando
o fulgo-luzir
do cruzeiro do sul.
Ao Sul
perto da Pálida
a Intrusa estrela fornece
o exclusivo acesso-sésamo
à nossa cruz de cinco pontas.
Ciça Furquim - 2006
Robert Frost

Stopping by the woods on a snowy evening
Whose woods these are I think I know,
His house is in the village though.
He will not see me stopping here
To watch his woods fill up with snow.
My little horse must think it queer
To stop without a farmhouse near,
Between the woods and frozen lake,
The darkest evening of the year.
He gives his harness bells a shake
To ask if there is some mistake.
The only other sound’s the sweep
Of easy wind and downy flake.
The woods are lovely, dark and deep.
But I have promises to keep,
And miles to go before I sleep,
And miles to go before I sleep.
Robert Frost
Diante do bosque numa noite de neve
De quem é o bosque saberei em breve;
Ele, no entanto, a morar cá não se atreve.
Assim não me verá, posto neste espaço,
A observar o bosque pleno de neve.
Meu cavalo estranha a falta de um regaço,
Uma casa onde se alivie o cansaço;
Entre o bosque e o lago congelado vimos,
da mais escura noite, o grave compasso.
Ele faz com que seus arreios toquem sinos,
A perguntar se há algum desatino.
Mas o único som que circula em torno
Vem do vento e dos flocos, que entoam hinos.
O bosque é belo e denso, escuro entorno;
Mas minhas promessas não são puro adorno,
E devo seguir além, antes do sono,
E devo seguir além, antes do sono.
De quem é o bosque saberei em breve;
Ele, no entanto, a morar cá não se atreve.
Assim não me verá, posto neste espaço,
A observar o bosque pleno de neve.
Meu cavalo estranha a falta de um regaço,
Uma casa onde se alivie o cansaço;
Entre o bosque e o lago congelado vimos,
da mais escura noite, o grave compasso.
Ele faz com que seus arreios toquem sinos,
A perguntar se há algum desatino.
Mas o único som que circula em torno
Vem do vento e dos flocos, que entoam hinos.
O bosque é belo e denso, escuro entorno;
Mas minhas promessas não são puro adorno,
E devo seguir além, antes do sono,
E devo seguir além, antes do sono.
Tradução: Cecilia Furquim (com contribuições de Marcelo Tápia) - Dezembro de 2005
William Shakespeare

Três traduções diferentes de um mesmo soneto de William Shakespeare
Sonnets: XVIII
Shall I compare thee to a summer’s day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm’d;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature’s changing course, untrimm’d,
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall Death brag thou wander’st in his shade,
When in eternal lines to time thou growest:
So long as men can breath or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.
William Shakespeare
És assim como a manhã do verão?
Teu modo ainda mais brando, ainda mais belo:
Ventos abalam a vida em botão,
E cedo com o verão se parte o elo
Quando o olho do céu intenso brilha
Sua feição dourada depois se ofusca;
E todo ser de luz cai na armadilha,
Da sina ou desdita, de forma injusta;
Mas teu perene verão vai seguir,
Nem deves perder o brilho que tens;
Nem virá da Morte a sombra cair
Se em versos eternos crescem teus bens
Enquanto o ar é condição terrena
Tua vida há de durar neste poema
Tradução: Cecilia Furquim
Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Às vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na eterna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.
Tradução: Anna Amélia- mãe da tradutora Bárbara Eliodora
Devo igualar-te a um dia de verão?
Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio inda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.
Muitas vezes a luz do céu calcina,
Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza,
Só teu verão eterno não se acaba
Nem a posse de tua formosura;
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo dura.
Enquanto houver viventes nesta lida,
Há de viver meu verso e te dar vida.
Tradução: Ivo Barroso
Shall I compare thee to a summer’s day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm’d;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature’s changing course, untrimm’d,
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall Death brag thou wander’st in his shade,
When in eternal lines to time thou growest:
So long as men can breath or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.
William Shakespeare
És assim como a manhã do verão?
Teu modo ainda mais brando, ainda mais belo:
Ventos abalam a vida em botão,
E cedo com o verão se parte o elo
Quando o olho do céu intenso brilha
Sua feição dourada depois se ofusca;
E todo ser de luz cai na armadilha,
Da sina ou desdita, de forma injusta;
Mas teu perene verão vai seguir,
Nem deves perder o brilho que tens;
Nem virá da Morte a sombra cair
Se em versos eternos crescem teus bens
Enquanto o ar é condição terrena
Tua vida há de durar neste poema
Tradução: Cecilia Furquim
Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Às vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na eterna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.
Tradução: Anna Amélia- mãe da tradutora Bárbara Eliodora
Devo igualar-te a um dia de verão?
Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio inda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.
Muitas vezes a luz do céu calcina,
Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza,
Só teu verão eterno não se acaba
Nem a posse de tua formosura;
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo dura.
Enquanto houver viventes nesta lida,
Há de viver meu verso e te dar vida.
Tradução: Ivo Barroso
Colar de Contos
Dez Contos
e um
condutor
MANCHADO
As manchas do mundo
o Machado acha e mostra
Sobre a composição:
Este trabalho apresenta a minha leitura de dez contos de Machado de Assis, em forma de poesia.
Acredito que o entendimento pleno dos poemas tende a depender do conhecimento daquilo que os inspirou, no caso os contos: ‘Um homem célebre’, ‘O Espelho’, ‘O caso da vara’, O medalhão’, ‘A causa secreta’, ‘O enfermeiro’, ‘A igreja do Diabo’, ‘A cartomante’, ‘Noite de Almirante’ e ‘Missa do Galo’.
A forte contenção utilizada, apropriando-se aqui e ali de palavras do próprio Machado e a referência constante, porém muitas vezes indireta, ao seu universo ficcional forçam os leitores a reportar-se ao seu repertório do conto. É uma proposta de diálogo com os leitores desse autor, que tanto instiga, incomoda e seduz até hoje.
É possível que, no entanto, existam momentos de autonomia, e que mesmo alguém despido das referências mencionadas possa atribuir sentido a parte desse trabalho, ampliando a interpretação do mesmo. É uma possibilidade bem vinda, desejável inclusive, mas que pode encontrar barreiras.
Em meio a essas incertezas de resultado, fato é que o processo foi uma experiência de aprendiz, em que procurei aplicar os conhecimentos despertados, tanto nas aulas de meu professor de poesia, Marcelo Tápia; quanto no curso de Alcides Villaça sobre contos de Machado de Assis.
Espero ter feito algum aproveitamento.
Cecilia Furquim
Novembro de 2006
Índice:
Polca Pouca
Espelho
Caso escravo
Medalhão
Secreta mente
Rosarruda
Cartomorte
Jura ao mar
Pelo sim, pelo Cão
Romper da Missa
Assim Assis?
e um
condutor
MANCHADO
As manchas do mundo
o Machado acha e mostra
Sobre a composição:
Este trabalho apresenta a minha leitura de dez contos de Machado de Assis, em forma de poesia.
Acredito que o entendimento pleno dos poemas tende a depender do conhecimento daquilo que os inspirou, no caso os contos: ‘Um homem célebre’, ‘O Espelho’, ‘O caso da vara’, O medalhão’, ‘A causa secreta’, ‘O enfermeiro’, ‘A igreja do Diabo’, ‘A cartomante’, ‘Noite de Almirante’ e ‘Missa do Galo’.
A forte contenção utilizada, apropriando-se aqui e ali de palavras do próprio Machado e a referência constante, porém muitas vezes indireta, ao seu universo ficcional forçam os leitores a reportar-se ao seu repertório do conto. É uma proposta de diálogo com os leitores desse autor, que tanto instiga, incomoda e seduz até hoje.
É possível que, no entanto, existam momentos de autonomia, e que mesmo alguém despido das referências mencionadas possa atribuir sentido a parte desse trabalho, ampliando a interpretação do mesmo. É uma possibilidade bem vinda, desejável inclusive, mas que pode encontrar barreiras.
Em meio a essas incertezas de resultado, fato é que o processo foi uma experiência de aprendiz, em que procurei aplicar os conhecimentos despertados, tanto nas aulas de meu professor de poesia, Marcelo Tápia; quanto no curso de Alcides Villaça sobre contos de Machado de Assis.
Espero ter feito algum aproveitamento.
Cecilia Furquim
Novembro de 2006
Índice:
Polca Pouca
Espelho
Caso escravo
Medalhão
Secreta mente
Rosarruda
Cartomorte
Jura ao mar
Pelo sim, pelo Cão
Romper da Missa
Assim Assis?
Polca Pouca
I-
Quer sonata,
sai polca:
sonora polca,
sonata nula
Polca pouca
nas teclas roucas
divulgam rosto vulgar
Contrariado
com pôr
graciosa musa
em pacto dançante
Descompassado
com
efusão parda
Comprometido
com
a nota alada
Compungido
com
não manar nada
Íntima vaia
Desvairada
II-
Assaz-escassez
no quarto de fel,
em que o frêmito efeito
a alma não sacia:
vexa, nauseia, entedia.
Patético acaso
que nem o casar
consola
No turno consórcio,
tísica prenda,
pálida amplia
a perplexidade.
Expira aterrada,
arte-assassinada.
Um réquiem recria
vão esforço
em fundo fosso
que se faz
com paixão.
III-
Ao som do piano
da polca maior,
sacros e profanos
jogam peteca.
O peso do apelo
é o vencedor,
é onde pára a dor:
paradoxo.
Conserva, libera
derradeira pilhéria,
interna maldade:
Celebri-(versus)
hombri-dade.
Quer sonata,
sai polca:
sonora polca,
sonata nula
Polca pouca
nas teclas roucas
divulgam rosto vulgar
Contrariado
com pôr
graciosa musa
em pacto dançante
Descompassado
com
efusão parda
Comprometido
com
a nota alada
Compungido
com
não manar nada
Íntima vaia
Desvairada
II-
Assaz-escassez
no quarto de fel,
em que o frêmito efeito
a alma não sacia:
vexa, nauseia, entedia.
Patético acaso
que nem o casar
consola
No turno consórcio,
tísica prenda,
pálida amplia
a perplexidade.
Expira aterrada,
arte-assassinada.
Um réquiem recria
vão esforço
em fundo fosso
que se faz
com paixão.
III-
Ao som do piano
da polca maior,
sacros e profanos
jogam peteca.
O peso do apelo
é o vencedor,
é onde pára a dor:
paradoxo.
Conserva, libera
derradeira pilhéria,
interna maldade:
Celebri-(versus)
hombri-dade.
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