Velho do Restelo na periferia –
Criado por Cecília Furquim, a partir do Episódio do ‘Velho do Restelo’ de Camões (Os Lusíadas) para variante não culta, da periferia. Feito especialmente para o sarau e interpretado pelo ator Emerson Caperbat, com acompanhamento musical da banda ‘Tupinambá e seus Turebas’.
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Aí Fama! Fissura! Inútil mando
Dos mano que persegue a autoridade!
Aí parada torta, anseio insano
mascarada com a tal dignidade!
Que punição gigante e puro dano
Cê quer impor ao povo da cidade!
Que extermínio, que risco, que miséria,
sem dó cê vem e enterra na galera!
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Agonia na vida e chumbo na alma
Amiga da traição e do abandono
É uma boca que come e ainda baba
Devora o patrimônio, terra, trono
Cheia das pompa, ávida de palma
Na verdade, cê é digna de nojo
Te chamam fama, glória obcecada
Que ilude toda a gente alienada.
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Pra que cena sangrenta cê pretende
Levar os truta e as nação toda do mundo?
Que ameaça, que escuro, que parede
Vem junto com a medalha, lá na tumba?
Quanta ilusão de grana e quanta sede
De conquista, cê planta, tão profunda?
Que parada cê jura? Que proveito?
Que trunfo, que troféu? Que lôco feito?
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E vocês aí também, filho do Adão
Que desobedeceu, comeu o fruto
E levou toda a raça, sem perdão,
A ser chutada do Éden, e com tudo
Além disso, perdendo a condição
de inocência manêra, jeito puro
Foi tirado daquela vida mansa
E atirado na guerra e na matança:
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Já que cê curte às pampa a arrogância
E com ela se entrega à fantasia;
Já que cê colocou na intolerância
nome, samba, suor e valentia;
já que cê valoriza a opulência
da morte, da extinção, revés da vida
que até Jesus na cruz, o salvador
com medo, deu à ela o seu valor.
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Cê não segue com fé o dom de Deus,
Dele usando e abusando nas batalha?
Não fazem o mesmo, os mouro com suas lei,
Que os mano aí, com Cristo nas mortalha?
Cês já não se fartaram de ser rei,
E querem sempre mais dessas migalha?
Eles também não segue a onda bruta,
Pra conquistar a vitória nas disputa?
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- Cês vão vazá da área, no perigo,
indo pros cafundó atrás de ouro,
deixando a terra aqui pro inimigo
E os mais fraco atolado em mal-agouro?
Prefere se lançá no alto risco
Prá sê celebridade, colhe os louro
De senhor do caminho em posse esférica
Da Ásia, Europa, África e América?
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Eu vô rogá uma praga pro primeiro
Que criô o barco a vela e flutuou!
Navegar é preciso? Não! marinheiro
Se a lei é mesmo justa, seu doutor,
Nenhuma melodia, dom maneiro,
Nem a mais rica voz de cantador
Vai te dá Fama ou glória iluminada,
Que tua memória morra, vire nada!
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Já ouviu falá dum mito, o Prometeu
Que trouxe pros irmão antigo o fogo?
O que devia sê luz, escureceu,
Nos cano o maior estrago, louco logro!
Se não tivesse dado o que ele deu
Pudíamo ficá longe desse jogo,
Os desejo alto, irado da partilha
prendeu em brasa a raça na guerrilha
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Fez só besteira o filho do Deus sol
Que despencou no mar, foi pro além
E o filho do arquiteto se deu mal,
pois desobedeceu seu pai também:
nenhum impulso pulha ou celestial
por fogo, ferro ou água, o homem tem
poder de recusar, de dizer não.
Reles destino! Estranha condição.
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