Poema Recorrente
Assalta-me
De repente
Esse poema
Recorrente
Sobre a selva de pedra
Concreto e asfalto
Um poema
Que nunca termina
E nunca terminará
Volta e meia
Ele volta
Pra me perturbar
Então começo a escrever
Pra não me esquecer
Do que quero lembrar
É fácil falar
São Paulo
Não dorme
Nem pode parar
Dizem que aqui só tem
Tristeza, pobreza e miséria.
O que não é verdade
Todo mundo
Tem pressa
Vive num corre-corre
Atrás de emprego e trabalho
Porque é dura
A competição
São mais de dois milhões
De desempregados
Quase todos
Na mesma situação
Todo mundo está
Vendendo o almoço
Pra comprar o jantar
Você ri, mas, não tem graça não,
A realidade é bem pior
Do que se pode imaginar
Só quem
Passou fome sabe
O que é passar fome
Não adianta tomar água
Porque água
Não mata a fome
Água só mata a sede
Mas, São Paulo.
Não é só isso, não.
São Paulo também tem
Show e diversão
Parques espalhados
Pela cidade
Com várias atividades
Tudo de graça
É só procurar
Quem procurar
Há de encontrar
Com um pouco de sorte
E muita disposição
Ainda podemos
Nos darmos bem
Nesta cidade
Que é o coração
Da nação
Já passei frio
Já passei fome
Na cidade
Que não dorme
Já vi o contraste
Do bem e do mal
Já sei o que é
Ficar engarrafado
Numa enchente
Na Marginal
São Paulo é
Um pouco assim
Amor e ódio
Primavera e verão
Outono e inverno
Acontecem num só dia
Em qualquer estação
A pressa, o corre-corre.
Mexem com a emoção
Tudo é muito
Tudo é demais
São Paulo
É o mundo todo
Todo o mundo
Está representado
Aqui numa só cidade
São Paulo é bem assim
Não fale mal
De São Paulo
Perto de mim.
Mesmo Estando parado
Olhando pro nada
De algum lugar
Da Avenida paulista
Na escadaria cartão postal
Que tem a Antena mais alta
Que tem a sirene
Mais estridente
Que anuncia o meio dia
Todos os dias
Faça chuva ou faça sol
Parado espero
Agora, o farol abrir.
Pra seguir
Ir até o metrô
Pegar o trem
Saltar do trem
Ir mais além
Do terminal
Da Madalena
Não a Santa
Nem a outra
A Vila Madalena
E da Vila
A Lapa
A casa
O Apê
A Preta
O rango
O cigarro
O banho
A cama
O sono
O sonho
O acordar
E recomeçar
Tudo de novo outra vez
E outra vez...
Augusta
São João
Ipiranga
Consolação.
São Paulo não é só
Isso. Não.
Viaduto do Chá
Anhangabaú
Rua Direita
Praça Ramos
São Paulo não é só
Isso não.
Oscar Freire
Faria Lima
Vila Madalena
Avenida Paulista
Perdizes
Jardim Europa
Augusta
Cidade Jardim
São Paulo não é só
Isso. Não.
Freguesia do Ó
Brasilândia
Itaquera
Pirituba
São Miguel
Vila Tiradentes
Paraisopolis
São Paulo não é só
Isso não meu irmão.
Osasco
Guarulhos
Santo Amaro
Largo da Batata
Praça do Pombo
Alphaville
Carapicuíba
Ipiranga
Monumento
Ibirapuera
São Paulo
Não é só isso não
É mais...
É muito mais...
Já pensou em muito?
Põe um monte
Em cima desse muito
E ainda é muito mais...
Frio
Fome
Pobreza
Muito mais
Cada vez
Chegam mais
Bocas
Pra alimentar
Falar, reclamar,
Gritar,
Assim não dá!
Futebol,
Alegria do povo.
Carnaval,
Festa popular.
São Paulo,
Terra boa.
Terra da Garoa,
Água boa.
Enchente
Engarrafamento
Calor
Poluição
Confusão
Lixão.
Crianças carentes
Catando o pão
No lixo
Sabe...
Não queremos
Esmola
Queremos
Escola
Oportunidades
Iguais
Somos
Humanos
Seres
Humanos
Não somos
Invisíveis
Não adianta
Virar a cara
Fingir não ver
Não vai resolver
Somos um problema, sim.
Que tem solução.
Pare...
Pense...
Reflita...
Antes que...
A massa aflita.
Faça da mão
Uma arma
E da vida
Uma merda
Bem maior,
Maior do que já é!
Na cidade
Que não dorme
E não pode parar
Sentimos fome
Passamos frio
Conhecemos:-
Pobreza, tristeza, miséria.
Com pressa
No corre-corre
As ruas estão lotadas
Transito engarrafado
Calor, poluição, suor.
Calçadas apinhadas de gente
E mais, sempre chegam mais.
De todos os lados e lugares
Possíveis e imagináveis
De onde essa gente vem?
Todas as raças
A miscigenação
Todos os credos
Credo que confusão
Tudo é muito
Tudo é grande
Tudo é demais
E muito mais
Vem chegando
Bocas famintas
Para alimentar,
Falar, reclamar.
Gritar...Vai Vai
Rosas de ouro
Camisa verde
X-9
Leandro
Gaviões da Fiel
Nenê de Vila Matilde
Leandro
E nos feito bobos
Enquanto a garoa cai
A terra é boa
Dá de tudo
Mas não dá nada
Pois, só tem.
Asfalto e concreto
Plantados no chão
Barraco arrastado
Na enxurrada.
Colheita perdida
Safra perdida
Campo alagado
Bóia-fria
Sem trabalho
Sem cana
Para cortar
Sem café
Para colher
O campo se esvazia
E em outros campos
A bola rola
Morumbi
Canindé
Pacaembu
Estádios
Viram arenas
E os fiéis
Fiel
Independente
Mancha
Peixe
Macaca
Porco
Digladiam-se
Gritam gol!
Extravasando
Seus traumas
Suas neuras
Suas taras
Limpando a alma
Defrontam-se
Confrontam-se
Matam e morrem
Por nada
Por ninguém
Sem ganhar nada
Apenas o grito de:-
C a m p e ã o
Quando pensamos
Que tudo ia mudar
Pois a esperança
Venceu o medo
Quimera, sonho, utopia.
A esperança desabou
Durou tão pouco
E se acabou
O medo voltou
São Paulo não pode parar
São Paulo
Terra boa,
Nem garoa
Aqui tem mais
Mas tem poluição
No Pinheiros
E no Tietê
Tem falta dágua
Mas, assim mesmo.
Ainda tem
Um povo trabalhador
Um povo de bom coração
Porque se não fosse
Colocaria de vez
Uma arma na mão
E só pra comemorar
Qualquer desgraça
Porque é o que
Mais tem
Fazia uma revolução.
Só para comemorar...
Só pra mostrar
Pra essa nação
Que tem um povo bom
Mas disposto a tudo
Pra fazer desse País
Uma grande Nação
ABittar, Poeta dos grilos, define-se como poeta popular. Publicou poemas no livro ‘Antologia de Escritas’ (no 3) em Portugal, 2006. Seus trabalhos podem ser encontrados no site: http://bittarpoetadosgrilos.weblogger.com.br
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