UNDERGROUND
Não tape os ouvidos,
Nem os olhos.
Preste atenção
Nos movimentos
Subterrâneos
E cheios de silêncio,
Entrecortados e proibidos.
Na realidade a vida vem de dentro:
Underground.
PAREDES
Em mim conservo as paredes da casa antiga, matriz.
Paredes que guardam conversas,
Agonias de morte
E nascimentos com fórceps.
Paredes de sons silenciosos e desenhos dourados.
Paredes que escureciam
A casa antiga,
A casa demolida.
Sonho e reavivo tijolo, pintura,
Parentes que não conheci.
Construo de novo a casa antiga,
Presente no ar
E nas cantigas de ninar.
LIMITES
Centro é confusão
Periferia é definição.
Centro é expulsão
Periferia é impulso.
Centro é coração
Periferia é a flor da pele.
Centro é substantivo.
Periferia é adjetivo
Centro é estático
Periferia é movimento pleno.
Poucos são do centro
Muitos são da periferia.
Uns escondidos no Centro
Outros esparramados na periferia.
Somos todos centro e periferia
Somos todos crônica e poesia.
E em qualquer lugar sonhamos
Com a borracha que apague
Essa triste figura desenhada
Com contornos prontos e perversos.
Queremos no fundo e na forma
Pintar outra imagem mais bela
Com cores pastéis
Com dores e amores de gente inteira.
ESTORVO
Cada um com seu estorvo
Que brada feito trovão
Particular.
Estorvo é um trovão
Que anuncia tempestade,
Mas não avisa quando,
A saturação explodirá
Em líquidas lágrimas
Em vozes alteradas feito trovão.
Peguei o estorvo,
E deixei no meio da rua.
Um passante desavisado recolheu o estorvo,
Encantado que estava, virou mágico
E o estorvo virou tesouro.
Assim caminha a humanidade,
Transformando tesouro em estorvo
E estorvo em tesouros.
Arrependimentos acontecem,
Bons encontros também.
DIÁLOGO COM O DIABO
O diabo sempre quer algo de nós.
Vive a rondar
Com suas tentações,
Exigências, promessas.
Se eu tiver que dar algo ao diabo
Entrego meu passado
De presente.
Que o diabo carregue meu passado,
Os resíduos que não guardei,
Os beijos que não dei,
Aventuras que não vivi.
Que fique tudo com o diabo.
Meu presente tem passado bem.
Meu presente é memória no corpo,
Lembranças nas fotos e cartas.
O resto que o diabo use como quiser.
Me antecipo a qualquer insinuação diabólica
E o futuro me pertence
De corpo e alma.
BARBÁRIES
Barbaridades contemporâneas
Impossíveis de engolir.
Barbaridade, tecnologia e humanidade
Evoluem no mesmo passo.
Lanças cibernéticas,
Linchamentos a céu aberto
Desenham a roda da morte,
A rota da fortuna.
Escapo para minha torre
E observo, serena, o tumulto.
Engano meu: a torre é de Babel
E o papel não é de carne.
- Beatriz di Giorgi é poeta, publicou poemas no ensaio de fotografia intitulado "Choro Absoluto", na Revista Iris (Foto nº 46). Os poemas ‘Barbáries’, ‘Diálogo com o Diabo’, ‘Limites’ e ‘Paredes’, acima, foram escritos especialmente para o sarau.
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